Um pequeno vira-lata corre em disparada no encalço de uma bicicleta. O condutor pedala com todas as forças possíveis. Foge. A algazarra é geral. Pessoas saem de suas residências e comércios para ver o que esta acontecendo. Uns gritam: Pega ladrão. Algo ruim acontecera.
Não são mais que cinco da tarde.
O destemido cãozinho continua até onde seu fôlego agüenta. Para. Retorna para sua origem esbaforrido. A essa altura, outros homens que passavam pelo local iniciam o que parece uma perseguição. O homem da bicicleta não olha para trás. Nem pode.
Solidários aos gritos de uma mulher, que a propósito, não para um segundo sequer de gritar e difamar o fugitivo, uma rede se configura. Um carro surge e nele os perseguidores saem a caça do bicicleteiro. Rápido. Mesmo com a precariedade do piso da rua onde se sucede o ocorrido.
Os que ficam observam. Aguardam apreensivos o desfecho da história. A mulher ainda alterada fala sobre o acontecimento. “Ele tomou o celular da menininha”. De fato, uma criança na faixa dos 8 ou 9 corre meio desnorteada, ainda sem condições de digerir o que acabara de protagonizar. A mulher observa: “ela é muito corajosa, lutou muito para impedir o roubo”.
Em pouco, o carro chega até a bicicleta. Não há como evitar. O larapio é acuado, o celular removido. E o episódio – aparentemente – solucionado. Ao que tudo indica, a menina recuperou seu telefone móvel e pode seguir para sua casa, sã e salva. O covarde assaltante, depois de uns sopapos é possível que tenha sido encaminhado a delegacia para posteriormente ser devolvido a liberdade.
Dois pontos se destacam nessa história. A covardia do bicicleteiro e a solidariedade dos passantes com a flagrante roubo a uma “frágil” garotinha. Há tempos, fala-se em insegurança não só cá nos gerais como em qualquer canto deste país e porque não do mundo. A propósito, a tal segurança e a falta de, já foi tema desta coluna. Este jornal já noticiou e publicou declarações dos responsáveis pela preservação da ordem e da segurança pública. Alias, não mais que obrigação em vista da relevância e necessidade de mais eficácia na coação da bandidagem.
Sobre o ladrão pedalante só a o que lamentar. Primeiro, denota total falta de escrúpulos e respeito ao próximo, principalmente pelo caso envolver uma menina menor de idade e indefesa. Segundo, se age com tal naturalidade à luz do dia, o que poderá fazer na calada da noite? Ademais, se é capaz de fazer o que fez, é possível que culpe o mundo pela falta de oportunidades, ou, de berço ou influenciado por más companhias, tenha se tornado um errante. Sem escrúpulos, sem princípios.
Infelizmente, o bicicleteiro não é único. Casos semelhantes parecem brotar do solo arenoso das ruas não asfaltadas desta cidade. Falta de oportunidades de emprego, falta de educação, falta de qualificação, falta de vontade em buscar melhorias. Que importa para o errante da bicicleta, se a vitima em questão é uma menina de 9 anos? É até mais fácil. Como diria o ditado: “tirar leite de criança”.
Mas, e ela. A menina. A corajosa, como disse a mulher que gritava em auxílio. Vai simplesmente, chegar em casa e contar com o peitoral erguido o ocorrido, a bravura de sua luta com um homem muito mais forte. E os pais, simplesmente, vão dizer a filha o orgulho que sentem pelo que fizera. Não. Não, não e não. Por que é inadmissível que uma criança tenha que se auto defender da ação de bandidos toda vez que saia de sua casa para se divertir com as amiguinhas? Por que é uma tolice creditar a ela os mais galantes feitos de coragem, se tudo que fizera foi por instinto? Que efeitos esse trauma pode acarretar a menina? A solidariedade dos envolvidos em capturar o homem da bicicleta, resume-se ao fato do episódio envolver uma menininha, ou tende a se tornar praxe, comum e normal. Mil vezes não.
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Artigo publicado para a coluna "Ponto de Vista" do Jornal Classe A de Luis Eduardo Magalhães/BA, Edição nº130 de 04 de abril