17 de ago. de 2009

Pedrinhas no lago


As crônicas de Veríssimo não são exclusividade dos gaúchos. Baianos, paulistas e internautas podem ler os textos do filho do Érico, o Luís Fernando. Uma ode a erva mate por isso. Limitar um único povo as leituras dos textos daquele que criou o Analista de Bagé seria como retroceder anos luz no tempo e na história. Luís Fernando é colorado e odeia dar entrevistas. Fato. Nada de novo. Mais do mesmo. Todos devem saber dessas miudezas do escritor, afinal, novidade não é.

Veríssimo é, por fim, produto da globalização. Essa que nos confere a falsa impressão de estarmos em todo lugar a hora que quisermos. Em sua coluna do Jornal A TARDE de domingo, 19 de julho, o escritor de bombacha e alpargata relembra 1964. O ano que teve início a ditadura militar no Brasil. Esmiúça aqueles dias com o talento que lhe é peculiar. Faz um contraponto entre os brasis de hoje e de 45 anos atrás. As mudanças, as diferenças. O fato de não se andar mais de bondinho e do mundo possuir, hoje, outras divisões. Velhos tempos.

O título não esconde o apego nostálgico: Aqueles dias. A propósito, lembrar de dias que já se foram é das maiores dádivas que pode existir na vida, muito embora, 1964 seja sinônimo de más lembranças. Pena, que a cada dia menos tempo se tem para isso. Lembrar. É um viver descontrolado. Descompassado. Um atropelar de horas e horas em busca de algo que muitas vezes não se sabe o que é. Amanhã, talvez não haja o que relembrar sobre hoje. Triste, realmente triste.

Se um dia fores testemunha de um relato, seja ele qual for, e seu interlocutor tiver a íris brilhando como jóia rara, simplesmente ouça. Ali existe uma história que implora para não morrer sem que encontre ouvintes. Não importa, se histórias como as de 1964 e que remontem as duas décadas de ditadura. Não. Veríssimo sim é um contador de histórias. Usa e abusa de seu talento como escritor para contar histórias e encantar quem as lê. Como ele, milhares de pessoas aguardam ansiosas por uma oportunidade para serem ouvidas. Não precisam ter talento para rabiscar suas linhas em jornalões do Rio Grande, de São Paulo, da Bahia, ou até para perpetuarem-se pela internet. Querem atenção.

Eis ai a maior diferença deste e daqueles dias: a cumplicidade. O sentar em um banco de praça, jogar conversa pro ar e rir. A dois, a três, em um grupo de amigos. Os dias de hoje são feitos de uma artificialidade maior que namoro a distância. É mais cômodo gastar horas e horas diante de um computador que fazer uma visita inesperada a um amigo, por exemplo. Com isso esvaem-se os pequenos prazeres. Andar de bicicleta, jogar pedrinhas em um lago, brincar de esconde-esconde, jogar futebol de botão, pular amarelinha, colecionar figurinhas da copa do mundo de 1986, ler um livro de Veríssimo sob a sombra de uma macieira e tantos e tantos outros.

Conversar se torna complicado. Tarefa quase agendada. Nada que se justifique. O escritor gaúcho é uma exceção. Prefere escrever. Sente-se mais espontâneo e em condições de transmitir aquilo que realmente deseja quando escreve. Para os demais o verbo conversar é e deveria continuar sendo conjugado. Repensado até. Eu converso, Tu conversas, ele conversa. Nós conversamos. Logo, todos conversam. Há comunhão. Extinguem-se as chances de trapaças, rasteiras e puxões de tapete. O triunfo do diálogo. Nada de falácias às escuras. Mentiras. Se o homem pisou ou não na lua é problema dos protagonistas desta história. Caras como Veríssimo escrevem com o coração. Conversas assim, com o coração talvez façam falta nos dias de hoje. Camaradagem, confiança e integridade. Uma trinca capaz de merecer um convite para jogar pedrinhas no lago.
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Este é o centésimo posto do blog. Mil vivas a isso. Um ano depois de sua criação.

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