30 de jan. de 2009

Achado no meio da mata

Foto: Evans/Three Lions/Getty Images.
[ Douglas C-53-DO, Em algum lugar do passado ]


Na década de 1930, F. M. Blotner poderia ser apenas um dentre as centenas de funcionários da Pan American Airways. Vinha de um insucesso quando tentara operar sua própria companhia aérea, com rotas entre Miami (EUA) e Nassau nas Bahamas. Um pouco antes fora piloto da marinha americana durante a primeira guerra mundial. Chegou ao Brasil com um cargo e uma missão: administrar as operações da PAN AM no país e encontrar um local para construção de um novo aeroporto.

A essa altura, a Pan American era a principal companhia área em atividade no mundo, com rotas regulares para boa parte da América Central, Europa e Brasil, incluindo a capital, Rio de Janeiro. Contrariando as tendências, o alto e magro Blotner, adentrou na mata em busca de informações climáticas e topográficas. Avaliou a disposição dos moradores da região para o trabalho e sua possível recepção com relação a um aeroporto. Pacientemente, esperou até 1937 pelo aval da companhia para executar o projeto. Oportunidade em que pode, enfim, enviar um grupo de engenheiros não aeronáuticos para Barreiras, cidade localizada no oeste do Estado da Bahia a aproximados 960km de Salvador, com o intuito de encontrar o campo de aterrissagem ideal.

A escolha do local não foi das mais fáceis. Foi necessária uma minuciosa expedição para limpar terreno e abrir caminho para os homens da PAN AM. O local escolhido ficava a aproximados 5 quilômetros dos limites da cidade. Rodeado por florestas, escondia surpresas até então desconhecidas para os americanos. Com os trabalhos quase encerrados, restava a realização de um vôo experimental para demarcar o local e liberar a construção. Todavia, um erro da equipe de engenheiros, por pouco não se transformou em tragédia. Durante o vôo percebeu-se a existência de um planalto elevado cerca de 300 metros da borda do local escolhido. Não fosse uma manobra arrojada do piloto, o trabalho de vários anos de Blotner teria sucumbido com o acidente. A aterrissagem forçada acarretou em mudança nos planos. Um novo local precisava ser encontrado.

Quis o destino que a procura não se estendesse. Uma nova expedição levou os engenheiros da PAN AM ao mesmo local que quase provocara o acidente. Estupefatos, constataram que a região precisaria de apenas alguns ajustes de terraplanagem para sua utilização. Após a construção de uma estrada para alcançar a nova descoberta, a empresa contratou cerca de 380 pessoas que moravam nas redondezas para edificação de hangares e limpeza dos cerca de 1.800 metros que mais tarde serviriam como pista de pouso e decolagem.

A carga horária de trabalho variava entre 3 e 5 h diárias, e as centenas de pessoas imbuídas na construção do aeroporto foram acometidas por diversas enfermidades, dentre elas a malária. A falta de um local apropriado para o gasto dos salários, fez com que a PAN AM trouxesse roupas, isopores, mosquiteiros e estruturasse minimamente o local para garantir a conclusão da obra e a permanência dos nativos barreirenses trabalhando. F. M. Blotner, principal responsável pelo achado, não escondeu sua felicidade quando da conclusão da obra. “Esta pista de aterrissagem é a melhor do Hemisfério Oeste”. Como se não bastasse, e mesmo que não pretendesse soar profético afirmava que o Aeroporto que ajudara a conceber era uma excelente base potencial para os aviões do exército americano.
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28 de jan. de 2009

Um grande enigma ou um arremedo de obviedades


[ O navio General Mann, um dos responsáveis pelo translado dos combatentes brasileiros para a Itália em 1944 ]


Entre o início das obras do Aeroporto Internacional da Serra da Bandeira em Barreiras, ainda em 1937, sua conclusão e intervenção estrangeira e por fim sua utilização como ponto estratégico na segunda grande guerra, são 4 anos. Getúlio, por sua vez, só criaria a FEB (Força Expedicionária Brasileira) em 1943 e o Brasil participaria de combates na Itália quase que somente no ano seguinte, a esta altura, no ápice do conflito. Hitler e sua esposa Eva Braum cometeriam suicídio à 30 de abril de 1945 e a guerra chegaria ao fim pouco depois.


Oito anos. Nada mais, nada menos. Suficientes para causar imensas transformações em Barreiras e, obviamente, em todo mundo. Supõe-se com muita boa vontade, que essa delimitação temporal seja aceitável para decifrar o enigma que envolve essa história. Os anos subseqüentes, pelo visto, tem um quebra-cabeça mais fácil para se montar e por isso não suscitam tanta discussão e comprometimento.

A informação que se apregoa como verdadeira por quem de direito no município, atesta que não havia nenhuma relação, que não as pertinentes as burocráticas e políticas, entre o então presidente da República Getúlio Vargas e o engenheiro Geraldo Rocha. Entretanto, aceitar como absoluta tal afirmação seria desmerecer o esforço de pesquisa e os anseios jornalísticos por trás dessa jornada. A questão não é desabonar o que é tido como fato, mas sim procurar nas entrelinhas informações que fundamentem e – por que não – acrescentem a história de Barreiras. A cada nova investida e tentativa de busca de informações, martela no subconsciente a questão que desde o início mais preocupava: será que não existem mais personagens para contar essa história?

Se Barreiras ainda sob o estigma da ditadura de Vargas dava prosseguimento a construção de um aeroporto e este em pouco tempo se tornava internacional e estratégico para a Segunda Guerra Mundial, como não questionar o que envolveu todo aquele processo? Que dias foram aqueles ora, pois?

A grandeza do acontecimento não merece ficar reprimida a dois ou três parágrafos e/ou a quinze minutos de conversa de botequim. Isso é fato e também uma afirmação, por mais pessoal que possa transparecer. Alias, parece claro, se levarmos em conta que mais de sessenta anos depois boa parte dos atuais moradores de Barreiras se restringem aos dois parágrafos e aos quinze minutos de bate papo. A boemia vista mesmo que esporadicamente no centro histórico do município, não tem o poder de voltar o tempo de modo a nos colocar frente a frente com os grandes personagens daquela história. O que nos restam são fragmentos de um período que mexeu com uma cidade. Quem dera tivéssemos algumas horas diante de Geraldo e Getúlio. Nem que fosse nos anos de 1950, aqui mesmo em Barreiras. Talvez, regado a charutos e algumas garrafas de whisky.

As condições de acessibilidade a Serra da Bandeira eram precárias. Teoricamente, não era qualquer um que dispunha de transporte e condição financeira para chegar até o “aeroporto” e usufruí-lo. A propósito, essa é outra “quase” afirmação, tendo em vista as referências que se apresentam. Geraldo Rocha, se tivéssemos confabulando uma obra cinematográfica, certamente se apresentaria como pseudo oscárizavel, tamanha a necessidade de desvendar e esclarecer os atos feitos por ele e que foram contundentes para fazer dessa história algo tão fascinante.

Nem que devore todas unhas dos dedos, ou tenha de fazer um retrocesso psiquiátrico até o convés dos Generais Mann ou Meigs, nos idos de setembro e outubro daquele longínquo 1944. Por mais arriscado que seja, é melhor que conjecturar falsetes tendo por base, por exemplo, um solitário parágrafo escrito por Alzira Alves de Abreu: “No encontro que manteve com Vargas em Natal, em fevereiro de 1943, o presidente norte-americano Franklin Roosevelt mencionou a possibilidade de o Brasil enviar tropas aos Açores e à ilha da Madeira. Vargas lembrou que esse envio dependia do recebimento de equipamento bélico para o Exército, a Marinha e a Força Aérea, prometido pelos EUA”.

Onde estão as peças do quebra-cabeça? Insisto e assim continuarei, até que consiga decifrar esse grande enigma ou, na pior das hipóteses, constatar que tudo não passava de um colossal arremedo de obviedades.

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Esse texto foi escrito em março de 2008, auge da epopéia para reconstrução desta história. Infelizmente, muitos dos questionamentos sugeridos ficaram encalhados ante uma série de atropelos e desencontros. Porém, as outras duas partes prometidas serão postadas na seqüência, em breve.

23 de jan. de 2009

Avanço das tropas


Eis o primeiro texto da série do Aeroporto de Barreiras. Alguns ajustes foram feitos no texto para sua melhor compreensão. Amanhã tem mais.

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[ O jornalista e engenheiro Geraldo Rocha ao lado da esposa, nos tempos que o Aerporto de Barreiras tinha voos constantes para o Rio de Janeiro, então capital da República ]


**Avanço das tropas **

Dois dias a menos para o Rio. O artigo da Revista Time data de 02 de setembro de 1940. A obra da Pan American chegava ao fim no Aeroporto de Barreiras e a constatação à época era um alento pela diminuição na escala Miami-Rio, que até então durava cinco longos dias. Barreiras era um inóspito lugar no interior do Brasil, rodeado de verde "amazônico" e que dispunha de privilegiada disposição para o tráfego aéreo. A aviação comercial se tornava realidade para o município, muito embora, as condições para o tráfego de veículos terrestres praticamente inexistiam.

Apesar de vaga, a descrição era um resumo do que se via nestas terras há 68 anos atrás. Sob o prisma estrangeiro. O olhar daqueles que tornaram realidade o aeroporto e indiretamente colocaram Barreiras na rota do progresso. Todavia, a pedra fundamental para a construção do aeroporto se deu três anos antes, em 1937. Percebe-se, que a guerra só seria fato dois anos depois. Getúlio Vargas imprimia no país um regime ditatorial, chamado Estado Novo, e até que se prove o contrário, Geraldo Rocha aumentava seus negócios tanto dentro, quanto fora do país.

Entretanto, as provas cabais da ligação entre os dois nos levam a 1950, cinco anos após o fim do conflito. Getúlio estava em campanha para reeleição. As imagens não mentem, havia uma relação de amizade e reciprocidade política entre eles. Mas desde quando? A essa altura o aeroporto mantinha um fluxo de vôos nacionais e internacionais. Barreiras e Rio entrelaçavam-se as suas maneiras e predisposições. Os interesses já eram outros. E os americanos já estavam longe.

Será que Geraldo teve conhecimento da guerra diplomática pela qual o Brasil passou durante o conflito, e que levaram Vargas a firmar acordo com os EUA? E por mais que ninguém toque no assunto, o que seria do país se Hitler tivesse atacado nossa costa? O governo de Getúlio á época era ditatorial e conduzido por grande número de militares. Estes pendiam para o lado do manda-chuva do exército alemão. Getúlio continuava em cima do muro. Aguardando? Mas o quê? Um ataque do pentágono e a inclusão forçosa de bases aliadas no país?

Seis meses antes da entrada dos EUA na guerra, as bases e rotas aéreas já eram uma realidade dentro do território brasileiro. Isso em 1941. Dentre estas, encontrava-se Barreiras e seu aeroporto. O que antes se resumiu a reuniões, telefonemas, telegramas e muitas conversas diplomáticas, faz parte da história e se configura como um enorme quebra-cabeça.

Aliás, a afirmativa ideal para começar um relato como esse seria: não estamos mais em guerra, a guerra acabou. Apesar da contração negativa explicitada na sentença e das sete décadas que separam este daquele dias. A propósito, e por falar em sentença, a única que me vem a mente nesta manhã ensolarada no Oeste baiano, é a necessidade de correr contra o tempo. O mesmo que se esvai na proporção que o quebra-cabeça se torna mais difícil e atraente. O botão da bomba H, nesse caso, está em conciliar as tarefas que não condizem com os propósitos desta empreitada.

Um amigo e ex-cabo do exército brasileiro não hesita em afirmar que Adolf Hitler foi um grande líder. Arrisco-me em dizer que o austríaco de bigode e cabelo lambido pra direita foi, também, um grande estrategista. Getúlio também foi a depender do raio de visão e das implicações que suas decisões tiveram para o país. E agora, é preciso, mais do que nunca, que a visão estratégica e o poder de aliança dessas duas emblemáticas figuras de nossa história nos sirvam de exemplo.

É chegada a hora de fazer com que nossas tropas avancem. E mais, que todas quatro divisões de infantaria jornalística presentes nesse jogo, não só: joguem o mesmo jogo, mas também, se valiam das mesmas regras. É como roga o velho clichê: pulso forte. A hora das importantes decisões é agora. Hitler e Getúlio tiveram as suas e ajudaram a escrever um dos capítulos mais sangrentos da história da humanidade. Que sejamos sábios nas nossas, afinal, a missão é recontar a história valendo-se de todas as peças possíveis desse sedutor quebra-cabeça. Que as tropas avancem.

22 de jan. de 2009

A 2ª guerra e o Aeroporto Internacional da Serra da Bandeira em Barreiras/BA


[ Fotografia do aeroporto de Barreiras no princípio da década de 1940 ]

Vasculhava descompromissadamente alguns arquivos antigos quando encontrei alguns textos infelizmente encalhados. Não por culpa minha, mas vitimas de uma sucessão de desencontros e um par de erros. Uma atividade coletiva, de cunho acadêmico e – teoricamente – engajada em recontar uma história moribunda, tendo em vista, a escassez de personagens vivos e aptos a contá-la tal qual se fizera no passado.

De certo, o fato de uma pequena cidade do extremo oeste da Bahia ter sido palco da construção de um Aeroporto de porte internacional – culpa dos americanos e da PAN AM – e ter feito parte indiretamente de uma sucessão de eventos relacionados a II Guerra Mundial.

A partir de hoje, uma série de textos feitos em meio a pesquisas, descobertas e entrevistas com o intuito de desvendar parte dos mistérios envoltos e praticamente restritos às décadas de 1940 e 1950 e abarcar nas pessoas envolvidas no projeto o faro do jornalista investigativo histórico.

Cabe salientar que a série não se propõe a ser o espelho da verdade, uma vez que é impossível remontar fidedignamente os dias em que Barreiras viveu seu apogeu, seja do ponto de vista histórico, social, cultural e/ou econômico, e parte dos textos do projeto acabaram se perdendo em meio as “barreiras” que se sucederam aos olhos dos futuros comunicólogos.

Em quatro partes, a partir de amanhã. Espero que agrade.

21 de jan. de 2009

INS-TIN-TO. Simples assim.


O vira-lata que jazia embaixo da cadeira foi rápido. Passara deitado a coçar as pulgas por longos minutos, mas, como num passe de mágica, tornou-se um corredor veloz. As patinhas dianteiras e traseiras do canino iam e viam em sincronia perfeita. Em pouco, um rastro de poeira confundia-se com seu latido. Ele estava em processo de perseguição. Vã e solitária, no encalço do pneu de um carro.

Ele latia.

- O que faz esse cara correr desse jeito toda vez que passa um carro ou moto? – comentei entre um gole e outro de chimarrão. Antes do ronco que anuncia o término da cuia do mate, uma voz bradou ligeira:

- Instinto!

- Instinto? Quer dizer então, que correr em disparada no encalço dos pneus de motocicletas e automóveis é fruto do instinto do animalzinho? – retruquei em tom irônico.

- Sim! Pegue por exemplo um homem. Você mesmo, me diga se não fica todo assanhado correndo atrás de tudo quanto é rabo de saia quando vai a uma festa?

- Heim? Heim?

Silêncio. Reflexão. Dúvida. Vontade de negar o inegável, mas aparentemente impossível. A vitória não me pertencia e sabia disso. Enfim, concordei:

- Hummmm, digamos que sim.

- Então, é o instinto dele, da mesma forma que é do instinto do homem fazer o que faz quando está atrás de uma mulher – acrescentou a dona da voz ligeira.

Ponto.

Acabara a conversa. Não havia mais necessidade alguma de discussão. Era o bastante. A conclusão embora óbvia, era clichê por demais. Senão: O cachorrinho vai continuar correndo atrás dos pneus dos carros latindo como um louco e os homens vão continuar sua caçada atrás de uma mulher. Isso tal qual é feito desde os primórdios, quando ainda se arrastava a fêmea pelos cabelos e não havia indício algum de diálogo entre as partes.

Instinto. Assim, simples. INS – TIN – TO. Três silabazinhas inofensivas. O que move o homem e o que move o animal. Como parte de uma engrenagem preparada a trabalhar da mesma maneira pelos séculos sem fim. Talvez, não aja uma explicação plausível para um cachorrinho largar em disparada atrás de um automóvel. Afinal, o que ele quer? Saber como a roda gira? Mostrar que é capaz de parar a grande máquina? Sabe-se lá.

Possivelmente, o ideal seria questionar o que o homem realmente quer toda vez que vai a uma festa, e movido por uma garrafa e outra de cerveja ou destilado, se embrenha a caça de uma mulher tal qual um lobo faminto que avista um rebanho de ovelhas. Instinto?

19 de jan. de 2009

Beijo ruim


Acontece. Tem horas que até Afrodite torna-se impotente na formalização de um bom beijo. Aqueles beijaços de tirar o fôlego e querer sempre mais e mais. Esses. Não os outros em que não rola a perfeita interação lábios de um com lábios de outro. Em que o resultado é um só: um beijo ruim. Onde – os lábios – ficam ali, como se numa luta de dois ursos polares, sem encaixe, sem nada. Uma tentativa frustrada de dar liga e ter um pouco de prazer no entrelace de línguas.

Beijar é bom, todo mundo já ouviu falar nisso e possivelmente todo mundo assina embaixo o memorando, porém, é sabido, que nem todo mundo sabe beijar, ou, pode ser considerado como um bom beijador. Alias, beijar bem é para poucos. E talvez, e possivelmente e muito provavelmente o fato de ser um mal beijador não seja culpa do pobre coitado, ou coitada. Simplesmente, o camarada ou a querida não sabe e só. Assim e tão somente.

A de se convir que receber um beijo ruim é traumatizante. Horrível. Esquecível. Daqueles episódios que vivemos uma única vez e torcemos para que nunca aconteça de novo. Daqueles que a ínfima lembrança traz de volta a amargura pra boca e dá uma vontade de cuspir pra longe o beijo recebido. Como se possível. Não é. O fato já foi consumado, o beijo dado e tudo que se pode fazer é tentar esquecer. Procurar outra boca para se beijar, outra que tenha um encaixe legal e renda alguns suspiros. Nada mais.

O pior é quando o mal beijador acha que está abafando e continua insistindo e te lambendo e querendo te engolir. Cruz credo. Abre a boca como se fora um leão marinho e desenrola a língua mexericando-a para um lado e outro a procura de um espaço na sua tenra e macia boca. E aí o processo de lambuso gratuito começa e com ele a agonia. Um drama. Um martírio. Como se aqueles quinze segundos fossem durar duas eternidades e meia.

Olhar para uma pessoa e dizer olho no olho: Olha só, tu beija mal à beça. Cá entre nós, não rola. Alguém um dia a de considerar o beijo lambido de leão marinho daquela pessoa a melhor coisa do mundo. Porque tem gosto para tudo. E por mais que um beijo seja horroroso, mais dia menos dia, haverá um encaixe para ele. Afrodite não falha nunca. Um dia o beijo ruim terá seu encaixe. Tudo bem, não me pergunte como isso pode ser possível, mas é assim que é, e assim que sempre será. Pois na vida é preciso ter esperança. Não é justo, em hipótese alguma, ceifar de um mal beijador o direito de continuar tentando até encontrar seu par ideal.

13 de jan. de 2009

Nosso destino: o "Um" incerto

A palavra globalização já foi uma das mais proferidas pelos seres humanos. Crianças, jovens, adultos, idosos, todos já ouviram falar nela. Em muitos casos, falaram, mesmo anos luz distantes da sua real concepção e abrangência. Porém, sempre na ponta da língua. Como se fora uma nova palavra para conversas intelectualóides. Não é. Globalização é muito mais.

A ideia de um mundo unificado, que extinga as regionalidades e encare as realidades particulares como parte de um conceito global viraram pauta nas escolas em dado período. Alias, a primeira vez que ouvi falar nela foi na escola. Os professores pareciam programados a disseminar o conceito, ou o que mal compreendiam por ele, para os alunos. E assim o mundo partia para se tornar “um”. Independente das realidades locais espalhadas pelo globo.

Com os avanços da ciência cada vez mais presentes na rotina do ser humano, os velhos princípios foram se diluindo. A figura paterna, que décadas atrás era tida quase como uma divindade no seio familiar, perdeu espaço para a avalanche de vagos conceitos apresentados pela máquina midíatica. O certo se tornou duvidoso, e a sociedade, incapaz de canalizar tanta informação em pouco tempo, viu-se perdida em um labirinto de ilusões.

E assim, o ser humano caminha para apagar sua própria história. Esta tende a se tornar mito, e a ser encarada como tal pelas novas (e futuras) gerações. Tornou-se mais decora do que conhecimento.

As ideias impostas inconscientemente pelas grandes corporações midíaticas derrubam valores, crenças e verdades estigmatizadas por anos e anos. Neste contexto: precocemente o ser humano amadurece e precocemente ele se esquece.

Todavia, essa nova realidade parece flutuar em um universo de inseguranças. O caminho trilhado para que chegássemos ao que somos hoje, não preparou os homens para que compreendessem esse novo mundo. Sem rumo, sem direção, sem apoio, uma vez que o individualismo se tornou parte presente de suas vidas, o homem sucumbiu. O que é ofertado pela mídia é chulo e distante das realidades locais. Aprisionado em um casulo de ilusões o homem apela para os entorpecentes. De todos os tipos, dos ilícitos aos lícitos e vice-versa. Parece querer fugir, e ao mesmo tempo quer se envolver mais e mais com esse novo mundo virtual-global. Uma ilusão unindo-se com outra ainda maior e mais degradante.
Assim sendo, pergunta-se: Para onde ir? Que rumo tomar? O que fazer?

Descartes, o pai do racionalismo, se visse o rumo que o homem tomou nos últimos dois séculos talvez veria com incredulidade o despreparo do homem em ponderar a razão e a emoção no século XXI. A doentia necessidade de auto afirmação para seguir em frente. O mundo todo compartilha dos mesmos preceitos. Quem está preparado prospera, os despreparados se tornam obsoletos, da mesma forma que os avanços tecnológicos colocam o que era padrão ontem e anteontem em desuso e ostracismo.

Nesta ambiência de mundo globalizado e disseminação midíatica, o homem confronta-se com uma incerteza ainda mais preocupante. O que o futuro lhe reserva? Que mundo teremos daqui uma ou duas décadas?

Aldeous Huxley, no livro Admirável Mundo Novo de 1932, previa com garbosidade um mundo igualitário e totalmente racional. Onde todos conceitos tradicionais criados pelo homem ao longo de sua história fossem, de praxe, um mito antigo e que não merecesse crédito algum. Um mundo coletivo. Onde o ser humano seria preparado desde o berço para uma vida predeterminada e sem subjetividades individuais. Tudo pelo bem do coletivo. É isso que nos reserva o mundo daqui um tempo? Os fracos hão de ser exterminados e o “grande irmão” conduzirá os “justos” a vitória?

Suposições, previsões, ilusões, incertezas...Eis o que temos por agora. Amanhã ou depois? Um. Somente um. Individual e desprovido de sentimento. Que Deus salve a razão.
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O texto acima foi escrito no primeiro semestre de 2007.

9 de jan. de 2009

Fácil, extremamente fácil


Não sei por qual motivo comecei a escrever. Apenas comecei. Processo rápido, diferente de quando se usava máquinas de datilografia. Pouco as usei e provavelmente morreria de fome caso precisasse manusear uma hoje em dia. A tecnologia tem o poder de simplificar a vida. Torna-la mais fácil. Uma tomada aqui, um computador portátil ali, um ou dois cliques e uma página em branco parece implorar por conteúdo a sua frente.

Sou adepto da filosofia que diz que excesso de facilidades é prejudicial. Talvez todos esses aparatos tecnológicos devessem ter estampados em algum lugar bem visível do público consumidor: CUIDADO: facilitar sua fatigante vida em demasia lhe trará prejuízos irreversíveis em um futuro próximo. Certamente, teria mais cuidado com cada linha que fosse escrever. A propósito, essa seria a vigésima ou trigésima lauda borrada que teria jogado na lixeira.

Talvez a necessidade de não errar seja o grande chamariz daqueles tempos. Quando se escrevia a punho ou em velhas e galhardosas máquinas de escrever. De fato, preciso confessar: sou deveras saudosista. Criei certa ojeriza em escrever a mão. Sinto-me como se enclausurado em um tedioso processo de aprisionamento. Eu, um prisioneiro das facilidades promovidas da tecnologia. Alias, eu e o mundo.

O sexo. Ele mesmo, o momento mais íntimo e carnal protagonizado por dois seres, perdeu espaço para a internet. Veja só. Os enlaces afetivos de um homem e uma mulher ou não necessariamente seguindo essa ordem natural das coisas e blá, blá, passaram para um plano secundário na vida do bicho homem. E não é mentira. Prefere-se hoje em dia despender horas e mais horas navegando pela grande rede que transar. Duas semanas sem internet? De jeito nenhum. Sem sexo? Tudo bem.

Quer merda toda é essa? Uma simples mudança nos hábitos da sociedade moderna? As facilidades são tantas que é possível fazer sexo online. Quem precisa de uma conversa nessas horas, e tempo para se arrumar e se perfumar e sair a procura de lugares legais para se beber e conversar. Cenários se criam. Infelizmente, sem a maestria dos tempos em que se escrevia em pesadas máquinas de escrever.

7 de jan. de 2009

Bons presságios

Em sete dias, o novo ano já rendeu algumas notícias arrebatadoramente deliciosas. Embora tenham um "q" de boato descarado, não deixam de ser encantadoras. Não bastasse o Iron Maiden aportando em Brasília em março, Lemmy Kilmister também dará o ar da graça um mês depois em Goiânia, e a formação do Sabbath que gravou o brilhante Dehumanizer em 1992, tem apresentação marcada para o dia 13 de maio na capital do país.
Uma tríade capaz de me fazer implorar por um beliscão. Que não seja um sonho, grita meu íntimo nessa tarde chuvosa e tediante no oeste baiano. E mais: que aja dinheiro, e tempo vago para três viagens deste quilate.



[A banda inglesa Iron Maiden volta ao Brasil em março para 5 novos shows, incluindo passagens por Manaus, Recife e Brasília dia 20]


[Num domingão, 12 de abril, é a vez de Lemmy Kilmister e o Motorhead soltar os cachorros em Goiânia]

[Em maio é a vez do Heaven and Hell se apresentar em Brasília, no Ginásio Nilson Nelson. Aos desavisados, o grupo nada mais é que o Black Sabbath que gravou os álbuns The Mob Rules (1981) e Dehumanizer (1992)]

3 de jan. de 2009

Um "misto-quente" pelos ares

A última noite em Porto Alegre foi de pouco descanso. Como se por passe de mágica, não havia sono. Nem a vontade de cerrar os olhos e, como qualquer pessoa normal, dormir, foi suficiente. Em poucas horas seria apenas eu e um avião. E então, e só então, algumas longas e intermináveis horas muito, muito acima do solo. Voando, entre nuvens e seja mais o que. Como se qualquer outro tripulante inexistisse. Como se voar pelos céus fosse o meio de transporte mais perigoso. E como se a qualquer momento o avião pudesse apontar seu bico para baixo e começasse a cair e cair e cair. Sem volta.

O sol ainda rolava de um lado a outro em sua cama aquecida. O clarear do dia era tímido. O assento, o último possível na aeronave. Eu e mais ninguém. A primeira providência: cerrar todas as janelas próximas. Não queria ouvir. Não queria ver. Queria simplesmente ter o poder de acelerar o tempo e chegar ao meu destino mais rápido. A segunda providência: ler. Ou tentar. Por pouco não proferir as palavras descritas no livro em voz alta. Para fugir. Escapar dos tremeliques daquele monstro aéreo. Da sensação desprezível de sentir-se um fraco enquanto todos a sua volta escancaram suas faces pela janela e observam a imensidão azul e os pontinhos miúdos das cidades, dos campos e dos mares.

E lia. O velho Buk. O velho safado. Escolhido a dedo. Charles Bukowski. “Um problema que eu enfrentava era ir ao banheiro. Estava sempre apertado, mas tinha vergonha de deixar os outros saberem da minha necessidade”. Nada mais peculiar. E sim, pessoas levantavam-se como se nada estivesse acontecendo e iam ao banheiro da aeronave. Continuava a ler quase sem conseguir esconder o desespero. “Era realmente terrível conter a vontade. E o ar estava puro, e eu sentia vontade de vomitar, vontade de cagar e de mijar, mas não dizia nada”. Pelos céus. Pessoas fotografavam a imensidão. E deixavam o sol entrar. E se pudessem enfiariam suas cabeças para fora para pegar um ar fresco. E eu cada vez mais tentando não aparentar que sentia medo, muito medo e que as palavras do velho Buk eram como uma cópia fiel do que se passava.

Minhas mãos jorravam água. Agarrava-me ao cinto de segurança da poltrona – graças a Deus – vazia ao meu lado. Tentava engolir o lanche servido pelas aeromoças. Qualquer balanço ou barulho suspeito fazia meu coração saltitar dentro do peito. Ler era a única saída. A não ser que resolvesse gritar e transformar o vôo num pandemônio. Seguia com Buk. “Entrei e ele fechou a porta atrás de nós. As paredes eram brancas. Havia um espelho e uma pequena janela cuja tela estava enegrecida e quebrada. Havia a banheira, a privada e os azulejos”. Pedi um copo de água. Talvez ajudasse. Gostava de ver o trabalho de bordo. Era possível pensar: se eles caminham normalmente pela aeronave é que tudo está bem e não há o que se preocupar. E não havia, embora eu achasse que havia.

A mulher que fotografava quase sem parar duas poltronas a minha frente resolveu conversar com um dos comissários. Descobri que restavam quarenta minutos de vôo. Pensei em chorar. Só faltava chover. A conversa dos dois revelou que voávamos acima das nuvens e que sim, era possível estar chovendo abaixo delas. Tentei voltar o foco para Bukowski. “Ele pegou o amolador da navalha que estava pendurado em um gancho. Seria a primeira de uma série de surras que viriam a ocorrer com mais e mais freqüência”. Era assim que me sentia. Exatamente como se tivesse levado uma surra.

- Estamos a 35 mil pés de altura.

Havia serenidade, tranqüilidade e outros tantos “ades” possíveis na feição do comissário. Ah, como queria me sentir daquele jeito. Deixei o livro de lado e parei para pensar na segurança em se viajar de avião. Logicamente, a proporção de acidentes nas estradas é incomparável com os acidentes ocorridos no espaço aéreo do planeta. E o avião chacoalhava. E eu segurava firme com a mão direta encharcada o cinto da poltrona ao lado. Voltei para o velho Buk.

“Você sabe como aquilo acontece? – perguntou.

Aquilo o quê?

Foder.

O que é isso?

- Sua mãe tem um buraco...ele juntou o polegar e o indicador da mão direita e fez um círculo – e seu pai tem um pinto...- pegou o indicador esquerdo e começou a enfiá-lo para frente e para trás dentro do buraco...”

Uau, havia descoberto o que era sexo. Ou uma de suas tantas teorias. Estava a 35 mil pés de altitude e não havia ninguém ao meu lado para contar o que acabara de ler. Veio-me a sensação que poderia não ter para quem contar. Estava prestes a gritar. Então, o alívio. Ouvir a voz do piloto foi um deleite. O pouso se aproximava. O primeiro drama matutino chegava ao fim. Tive uma hora antes de entrar em um avião novamente. Antes de seguir para uma nova jornada pelos céus do Brasil.

A contra gosto fui transferido para outro assento. Ainda no corredor, mas com muitas pessoas a minha volta. Todas com suas respectivas janelas expostas ao sol, ao mundo, ao vazio, a imensidão do lado de fora. Não havia para onde fugir. Apenas aguardar e torcer para não borrar as calças. O cansaço me consumia. Fechei minha janela para evitar que os raios do sol invadissem o meu reduto naquele avião. Ninguém poderia me privar disso, nem mesmo um dos comissários. Mesmo que fosse uma mulher linda, com pezinhos delicados e cheirosos, morena cor de jambo e com óculos de armação. Nem, nem, nem.

Vesti meus óculos escuros e fechei os olhos. Dormir. Pensava em dormir e tinha convicção que um cochilo era providencial para que o vôo final até meu destino passasse rapidinho. Mas não tinha como dormir. Optei por não olhar para os lados e tentar manter as aparências. Nada de pânico velho marinheiro, era o que pensava. Um garoto de uns 8 anos corria pelo corredor da aeronave. Parecia feliz e tranqüilo. Senti inveja. Muita. Como conseguia? Qual era o segredo? Pensei tanto que a hora completa de vôo terminou e o pouso foi – enfim – anunciado pelo comandante do avião.

Outro drama. Como pousar em Brasília é complicado. Será que todo pouso na capital federal é tão cheio de voltas e quedas súbitas e frios na barriga. Só conseguia ouvir a voz do garotinho. “Voar de avião é melhor, não tem trânsito”. Quase gritei: bravo, bravíssimo. Cheguei a aterrorizante conclusão que devo ser o único cagão a mais de 50 metros do solo. Não teve lanche, serviço de bordo ou “misto-quente” de Bukowski que desse jeito.


Post Scriptum:
- Desta feita, sem fotos minhas. Afinal, a de se convir que num desespero desses seja impossível tirar uma câmera fotográfica pra fora da bagagem e sair fotografando tudo que se vê. Lamento.

- E também, o pânico vivido impossibilitou-me de pedir a garota que fotografava sem parar que mandasse uma de suas “lindas” imagens por e-mail.

- Por fim, está incluso alguns trechos do livro: Misto-quente de Charles Bukowski. Cortesia deste blogueiro e de fato lido durante o vôo 6100: Porto Alegre – Belo Horizonte e 6150: Belo Horizonte – Brasília, na manhã de sexta-feira, 02 de janeiro de 2009.

2 de jan. de 2009

Traído por algumas horas


Na véspera do derradeiro dia de 2008 acordei de supetão em plena madrugada. Não era um pesadelo. Era inspiração. Recordo ter um texto arquitetado em mente. Prontinho e pedindo para ser parido. Enquanto encontrava uma nova posição na cama, regozijava-me de prazer. Ria. Bastava ser um pouco paciente e aguardar o amanhecer.

Minha cara no espelho não era das melhores. Creio que nenhuma fuça de ser humano algum seja das melhores tão logo acorde. Lavei meus olhos cheios de remela e arrisquei um novo sorriso. O texto. Sim, o texto. Devia ser parido urgentemente. Antes de me aconchegar para escrevê-lo tentei rememorar o teor, as linhas, os pontos, os acentos da obra vislumbrada durante a madrugada. Nada.

Tentei novamente. Precisava a todo custo encontrar o fio condutor que transformara a noite anterior em um delicioso enlace com os lençóis. Uma vez mais: nada. Esquecera de tudo. Cada linha, parágrafo, preposição, verbo, adjetivo. Não restava nenhum lampejo de esperança em escrever o referido texto. Somente um último dia para deixar passar. De um ano tomado por altos e baixos, e que nos seus últimos suspiros ainda parecia zombar de mim.

Não tive alternativa. Desisti. Passei o restante do dia pensando em tudo, menos no despertar noturno e no texto que não ganhou vida. Fiquei sem texto. Enfraquecido pelo esquecimento de algumas horas. Temeroso pelo futuro e pelas escolhas que fiz e que exigem raciocino rápido e faro aguçado.

O último dia de 2008 me fez perceber que deixar para amanhã o que se pode fazer hoje é no mínimo uma burrice, com o perdão da palavra. Agora, preciso me recuperar das horas de vôo pelo Brasil e no quanto isso me impacienta, sempre que estou a 35 mil pés de terra fértil.