31 de out. de 2011

Jardel: renovado e feliz


Jardel: "Quando você não tem carinho é porque não construiu coisas positivas"


De bermudão e camisa pólo, sob a pouca luz do hall de entrada do Hotel Saint Louis em Luís Eduardo Magalhães, as duas mãos nos bolsos, sandália de praia e a expressão cansada de quem recém acorda de um revigorante cochilo, Mário Jardel Almeira Ribeiro, ou simplesmente Jardel para os torcedores do Grêmio de Football Portoalegrense e “Super Mário”, como ficou conhecido entre os torcedores do Porto de Portugal, (os dois clubes onde obteve mais conquistas e reconhecimento), prepara-se para duas horas mais tarde ser a atração principal da I Convenção Regional de Torcedores do Grêmio, organizada pelo Consulado Gremistas Oeste Bahia.

Receptivo, antes do início da conversa, Jardel pede duas garrafas de água mineral e encontra tempo para se divertir com uma cena da novela que passa na TV. “Vamos lá, pai”, diz, antes de soltar um sorriso e dar a deixa para o início da entrevista. Recém-chegado de uma viagem a Portugal, Jardel não esconde o remorso por estar sem jogar. Do seu último contrato como jogador restou apenas más recordações. “Estava no Rio Negro do Amazonas, mas não tinha estrutura nenhuma. Consegui patrocínio para o clube, mas eles não tinham nem campo pra treinar”, conta. “Até gostaria de continuar jogando, mas se não pagam e não te dão valor, não dá”, completa.

Em Portugal, Jardel procurava trabalho. Algo com o que se ocupar. “Fui atrás de trabalho. Para morar lá, seja no Sporting, ou no Porto. Trabalhar com categorias de base, ser embaixador internacional do clube. Algo de um meio que eu conheço que é o futebol”, emenda.

A breve interrupção de um torcedor do Grêmio para um autógrafo e um abraço tira por instantes a concentração do ídolo. “Fico muito feliz, pelo que fiz no futebol”, revela, assim que o gremista satisfeito deixa o restaurante do hotel onde se dava a conversa. “Quando você não tem carinho é porque não construiu coisas positivas”, diz, falando da importância em receber o reconhecimento dos torcedores dos clubes por onde passou. “Quando você conquista vitórias e títulos e entra pra história do clube é natural esse carinho, como acontece com os torcedores do Grêmio e do Porto”, explica.

Sobre a final do Mundial Interclubes de 1995, contra o Ajax da Holanda:
"Faltou só o gol, não fiz gol"


Chute certo
Natural de Fortaleza, onde iniciou a carreira de jogador aos 17 anos, não demorou para o faro de gol e o dom na bola área chamar a atenção do futebol do centro/sul do país. Contratado pelo Vasco da Gama, entre 1991 e 1994, Jardel disputou 39 partidas marcando 22 gols. Deste período destaque para os dois gols marcados na final do Campeonato Carioca de 1994, contra o Fluminense. Com o Maracanã lotado, o clube ainda sentia a perda precoce de uma de suas maiores promessas: Denner, morto em um acidente automobilístico semanas antes.

Pinçado a dedo pelo técnico Luis Felipe Scolari, Jardel deixou o clube de São Januário em 1995 para disputar a Taça Libertadores da América pelo Grêmio de Porto Alegre. Mal sabia o atacante que no Estádio Olímpico, ao lado do baixinho endiabrado Paulo Nunes, levaria o clube gaúcho ao bi campeonato da América. Em pouco tempo, Jardel se tornou ídolo da torcida tricolor. Em um ano e meio de clube, disputou 73 jogos e marcou 67 gols, um deles no jogo de volta das quartas-de-final contra o Palmeiras no Parque Antártica.

“Felipão deu o chute certo. Mostrou que tem estrela”, relembra o artilheiro, ao recordar o inesquecível ano de 1995, razão pela qual saiu de Fortaleza, cidade onde, depois de 20 anos de futebol, voltou a morar com a esposa e mantém uma pequena confecção de artigos femininos, para participar da festa gremista no oeste baiano. “Foi por um fio, mas Deus estava do nosso lado”, resume o ídolo, ao comentar o histórico embate contra o Palmeiras naquele ano. Após uma goleada surpreendente no Olímpico por 5 a 0, em São Paulo, o gol marcado por ele logo no início garantiu a vaga na fase seguinte, apesar da derrota por 5 a 1. “Psicologicamente, ali nós ganhamos a libertadores”.

A conquista da América 12 anos depois do primeiro título e da conquista do mundo em 1983, serviu de combustível para que torcida, dirigentes e jogadores acreditassem no bi mundial. Numa manhã de dezembro, a metade azul do Rio Grande do Sul parou para ver a partida decisiva contra o Ajax da Holanda. O time holandês, base da seleção do país, era o bicho papão da época. Uma equipe, considerada por muitos, imbatível. Não para Jardel, que revela ter entrado em campo contundido. “Joguei com dores no joelho, com a tendinite bem infiltrada. Fui mesmo, porque era um jogo importante pra mim e pro Grêmio”, explica, lembrando que o time jogou com um a menos boa parte da segunda etapa e toda prorrogação. O zagueiro Rivarola foi expulso aos 22 minutos. O Grêmio acabou derrotado nos pênaltis, depois de 120 minutos sem gols em Tóquio. “Faltou só o gol, não fiz gol”, brinca o ex-atleta, hoje com 38 anos.

Recebendo o carinho dos fãs tricolores, Jardel lembra os momentos difíceis da
carreira e o conturbado envolvimento com as drogas: "É preciso força de vontade, não dá pra se entregar nunca"


Luta diária
A boa fase vivida na capital gaúcha continuou em Portugal. Pelo Porto, entre 1996 e 2000, Jardel alcançou a incrível média de mais de um gol por jogo. Ao todo foram 125 partidas e 130 gols marcados com a camisa do clube português. A fase áurea e a fartura de gols continuou por mais três anos. Entre 2001 e 2004, no Galatasaray da Turquia e de volta a Portugal, mas vestindo a camisa do Sporting, Jardel continuou ídolo e artilheiro. No entanto, foram as férias e as más companhias que aos poucos tiraram o atleta dos trilhos.

“Os excessos, as drogas, o álcool vinham quando estava de férias dos clubes e por conta dos amigos ‘chupa-sangue’”, diz o ex-jogador. O vício se tornou um problema na carreira do craque. Os gols se esvaíram e as propostas também. Entre 2004 e 2008, Jardel passou por 10 clubes, no Brasil e no exterior, sem conseguir ser nem sombra do ‘matador’ de anos antes. Em 2008, sem dinheiro, sem amigos, e desiludido com a vida, Jardel convoca a imprensa nacional para uma declaração bombástica. Ao mesmo tempo em que assume o problema com as drogas e a necessidade de reabilitação, o ídolo não esconde o desejo de voltar a vestir a camisa de Vasco ou Grêmio.

“Fecharam as portas para mim”, conta, três anos depois. “Simplesmente pedi para os presidentes para ficar treinando, mas existiu um medo depois da declaração que eu dei. Lamento muito, mas não guardo mágoa. Não guardo mágoa de ninguém”, diz Jardel. Para superar o momento turbulento, o ex-artilheiro é taxativo. “É uma luta diária”, comenta, ligeiramente incomodado em falar sobre o passado conturbado. “Eu sei que errei. Todos nós temos problemas e só depende da gente superar, mais nada. As pessoas mudam. Tem duas escolhas. Ou se vai para baixo ou muda. É preciso força de vontade, não dá pra se entregar nunca”, desabafa.

Sem qualquer aviso, Jardel antecipa-se, levanta e vai ao banheiro. Na volta pede um café e diz para seguir com a conversa. Questionado sobre que orientação teria para os jovens que sonham se tornar jogadores profissionais, o artilheiro não hesita. “Força de vontade, Fé na mudança e convicção de que vai conseguir”. Para o craque alertas sobre os malefícios do uso excessivo de drogas e álcool não faltam na televisão ou nos jornais. O que importa, segundo ele, é manter-se afastado das más companhias e não se ludibriar com o glamour do futebol. “Estudem, busquem fugir das drogas, busquem ocupar suas mentes”, decreta. Mas, e o Jardel, hoje, como está, quem é, o que pretende: “Sou um homem renovado e feliz”, simplifica.


***


O texto acima foi originalmente escrito para a edição de novembro da Revista A, mas acabou passando por edição e sendo diminuído em mais da metade

22 de out. de 2011

Eu te amo!


Habermas: “O mundo da vida é a esfera de 'reprodução simbólica', da linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objectivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjectivos”


Foi de repente. Uma pequena mão com unhas feitas e esmalte transparente me bateu nos ombros para me entregar um bilhete. “Você tem namorada?”. O questionamento me causou surpresa. Assistia a uma aula sobre a Escola de Frankfurt, recheada de teorias e frases do tio Theodor Adorno. Era noite e ainda tinha de encarar uma desgastante viagem de 90km em um ônibus nada confortável e repleto de baderneiros.

A responsável pelo bilhete tinha o cabelo cacheado carregado com cremes e hidratantes. As madeixas negras estavam sempre úmidas. Usava óculos e tinha os olhos escuros como a noite. Morena de rosto esguio, não era bonita tampouco feia. Era comum. Nada, além disso. O maxilar um pouco alongado acentuava o sorriso, com todos os dentes a mostra, diga-se, brancos a neve.

No mesmo bilhete, rabisquei a resposta: “Não, por quê?”. Em instantes, o mesmo pedaço de papel, um pouco mais amassado que do início do seu vai e vem, retornava as minhas mãos. “Quero falar com você no intervalo”. Olhei as horas. Ainda tinha uns 20 minutos de explanações sobre Adorno, Horkheimer e outros pensadores da comunicação dos séculos XIX e XX.

Pensei:

- Que diabos, essa mulher quer comigo no intervalo?

No banco frio e cimentado do corredor da faculdade, sentamos, eu e ela, a morena de óculos e cabelos úmidos. Ela estava nervosa. Conhecíamo-nos, se muito, há uns dois meses. Após alguns rodeios, ela, enfim, revelou o que a agoniava tanto:

- Eu te amo!

Corei. Como assim me ama. Não é possível. Alguma coisa estava errada. Por pouco não coloquei as costas da mão na testa da guria. Podia ser febre. Amor, não. Jamais.

- Eu tenho pensando muito em você e estou certa que te amo – continuou.

Pedi um tempo. Precisava (mos) respirar. Sabe como é. Não é todo dia que uma pessoa diz para outra “eu te amo”. Isso não acontece com um estalar de dedos. Não fiz nada para que aquela jovem, à época com seus 18 ou 19 anos, de uma hora para outra, revelasse uma paixão por mim. Falei que a entendia mas que – infelizmente (ora, precisava ser educado) – não nutria por ela o mesmo sentimento. Logo, não havia chance alguma daquela história ir adiante.

Encerrada a conversa fui ao encontro do melhor amigo que tinha na classe naqueles saudosos dias. Contei a ele. Tudo. Às gargalhadas, confessou-me:

- Relaxa meu amigo, não és o primeiro.

Como assim. Houve outros antes de mim. Era uma várzea. A cada palavra dita, sentia um peso saindo das costas. Estava preocupado com a garota. Não precisava. Para minha total e absoluta surpresa, eu já era o terceiro pelo qual a morena de rosto esguio se apaixonava desde o início do semestre. Em suma, outros dois antes de mim, passaram pelo ritual: troca de bilhetinhos durante a aula e conversa no banco de cimento do corredor.

Essa história me faz lembrar a política. O quão fácil e rápido se “ama” e se vende e se compra. O quão promíscuo e rasteiro é o ritual de troca de bilhetinhos e conversa no banco do corredor. “Eu te amo”. Frase de bajulação. As pessoas são carentes. Precisam ouvir esse tipo de agrado. Pena. Ama-se de mentira. Temporadas. Momentos. Não é algo verdadeiro. Tem interesse. As urnas. O amor é o teu voto. Eu te amo, vote em mim. Outubro. Um ano. Não é mais sem tempo. Apaixonar-se. Palavra de ordem. Custe o que custar. A paixão é não é para sempre. Tem prazo. Limite. Tempo determinado.

O bilhete, assim que terminou o intervalo, foi devidamente amassado e depositado no lixo. A conversa, em duas semanas, esquecida. A vida seguiu seu rumo. Os amores da morena de rosto esguio a levaram a conhecer seu verdadeiro amor. Enfim. Quem dera fosse assim também com a política. Não é. Respeito. É tudo que se exige de quem legisla e executa. Seguimos com Habermas, “O mundo da vida é a esfera de 'reprodução simbólica', da linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objectivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjectivos”. Amém!
           


11 de out. de 2011

Nada mais que razoável


Foto: Divulgação (extraída do blog Ecojornalismo)
O embaixador e ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricupero, é um homem esguio, de estatura mediana para alta e inegável desenvoltura na arte de falar para grandes audiências. Na quinta-feira, 22, embora para uma plateia muito aquém o esperado, Ricupero manteve a atenção dos heroicos remanescentes do VIII Congresso Brasileiro do Algodão – entre 19 e 22 de setembro – com maestria e sem a necessidade de qualquer aparato tecnológico, como telões ou colas sobre o que teria de falar. Rubens apenas falou.

Como parece praxe entre os economistas, principalmente os que abominam o governo petista desde a ascensão de Lula, o ex-ministro de FHC, iniciou sua longa alocução criticando o governo Dilma. Em tom de rebuscada ironia, RR questionou declaração presidencial de dias antes, na qual a presidente – nego-me a usar o termo presidenta – teria dito com “entusiasmo” que o país passa por um “momento extraordinário”

“Pergunto-me se é possível utilizar o adjetivo com esse sentido”, indagou Ricupero com um ligeiro sorriso de canto de boca e olhar incisivo apontado para os que o assistiam e ouviam. “O momento do Brasil é nada mais que razoável”, decretou, antes de estrebuchar as razões que o fazem acreditar que o risco de um abalo geral na economia brasileira, em decorrência da iminente crise internacional, é maior do que se pensa, ou, na pior das hipóteses, maior do que o governo nos faz acreditar.

“O que acontece no mundo nos últimos dias, mostra que a crise não é habitual, com curta duração. Estamos em um tipo de crise, que alguns costumam chamar de grande depressão, uma variedade mais maligna e perigosa de crise”, disse, lembrando a alvissareira crise de 29 que provocou quebras generalizadas no mundo todo e até hoje é capaz de gerar calafrios em qualquer especialista em economia que e preze. Na comparação entre a de ontem e a de hoje, Ricupero disse que a diferença é que atualmente a China e parte do Ásia dão sustentabilidade para o mercado como um todo, impedindo uma derrocada como a de quase 100 anos atrás.

A título de exemplificação, Rubens rememorou que na década de 1930 houve um começo de recuperação com alguns altos e baixos – em 32 e 38, no qual como vem ocorrendo nos dias de hoje, também houveram, entre as quedas, algumas bruscas, de preços, algumas “ilusórias recuperações”. A chamada “montanha russa” é onde reside o perigo, alertou o magérrimo e cabelos brancos Ricupero. “Os EUA teve de esperar até a segunda guerra para se recuperar”, observou, sempre dando a entender que o momento global é muito mais de precaução do que de reserva e tranquilidade, como alguns ainda insistem em proclamar.

Em relação a década e meia perdida no país entre os idos dos anos de 1980 e 1990, o semblante e até o tom da voz do embaixador mudam. O endividamento, a alta inflação e a ociosidade interna, provocaram revoluções na autoestima do povo brasileiro, àquela altura, recém-saído de um período de mais de 20 anos de ditadura. O equilíbrio e razão para o entusiasmo presidencial de Dilma Rousseff é, segundo o ex-ministro, fruto da criação e fortalecimento do “real” na metade da década de 1990. A ascensão do Brasil deve-se a este momento e nada mais, insiste nas entrelinhas o embaixador, para o qual é preciso dissociar, antes de qualquer avaliação mais profunda, as crises de 2008 e está que vem tirando o sono e Obama e não para de fazer estragos na Grécia e alguns outros países europeus.

Mesmo sem escancarar como fez o também ex-ministro Maílson da Nóbrega em palestra proferida no auditório do Hotel Saint Louis (em Luís Eduardo Magalhães/BA) em julho último, o atual Ministro da Economia, Guido Mantega não dispõe do apreço e solidariedade de parte dos especialistas e “ex-alguma-coisa” da política brasileira. Assim, as correntes de especialistas mais apertam o nó do que repassam informações claras à massa faminta e consumidora compulsiva de novelas de país continental. A razoabilidade do momento vivido pelo país é justa e merecedora de todos os louvores. Vai que a corda estica e velhos fantasmas reapareçam. 

31 de ago. de 2011

Levemente bravas e charmosas


Não existe nada mais atraente que uma mulher levemente brava.

O homem que discordar dessa afirmação, muito provável, que estará mentindo. Algumas pequenas provocações no dia a dia, arrisco, são feitas apenas para ver as bochechas coradas, o olhar quase ameaçador e o biquinho nos lábios.

Este, aliás, é o estágio preferido dos homens. Quando a mulher começa a ficar irritada e brava. Particularmente, e acredito assim o ser para muitos, um momento de raro – talvez raríssimo – prazer.

Reparem meninas, como ficamos bobos e com um quase irreparável sorriso de embasbacamento, quando vocês começam a sair do sério, por qualquer que seja a razão.

Há alguns anos ouvi uma recém casada dizendo-se totalmente incompreendida pelo marido. Falava com ar pesaroso de quem não aguentaria o descaso do homem amado, se assim continuasse por muito tempo.

Segundo ela, o marido não dava a mínima quando ela se dispunha a discutir as trivialidades do dia-a-dia do casal. Leia-se:  aquelas efemeridades, que somente as mulheres tem predisposição para discutir. Como quando você coloca uma camisa um pouco amassada ou, depois de todo desgaste de um dia de trabalho, resolve sair para jantar vestido de bermuda e chinela.

A inércia do marido ante sua gesticulação e braveza a irritava mais e mais.

O homem apenas ria.

Ela enlouquecia.

No entanto, o que, possivelmente, a recém casada incompreendida, aquela altura não havia se dado conta, é que quanto mais irritada e brava ela ficava, mais o marido gostava.

Não por chacota ou depreciação.

NÃO, nunca e jamais.

O que ela não entendia é que o marido simplesmente amava quando ela ficava assim, levemente brava.

Bochechas coradas, olhar quase ameaçador e biquinho nos lábios são quase um sinônimo de homem feliz e sorridente.

Nós amamos ver as mulheres assim. Rimos, e assim o faremos, na maioria das vezes em que vocês (mulheres) estiverem vociferando aos quatro ventos, reclamando que esquecemos a tolha molhada através da porta do banheiro ou do fato de não termos levantado o tampo do vaso antes do descarrego das impurezas líquidas, ou, ainda, quando, por um daqueles lapsos exclusivamente masculinos, esquecemos do aniversário do dia em que nos vimos pela primeira vez, ou da música que marcou nosso relacionamento.

Bobalhões que somos, vamos esquecer sempre e também sempre vamos nos deliciar ao ver vocês (mulheres) levemente bravas.

Não faz muito, revelei, no auge das bochechas avermelhadas e da braveza feminina, ser um amante das mulheres nesse estágio. Por incrível que pareça, a reação foi quase idêntica a da recém casada e incompreendida de alguns parágrafos acima.

Eu ri.

Ela disse:

- Ai,vou te bater.

Ri mais e mais. Gargalhei até. Era incontrolável. Não apanhei, mas tive de explicar em miúdos que ria apenas por achar irresistivelmente atraente e charmoso uma mulher brava e delicadamente irritada.

Não mais que isso, afinal, já atesta o ditado: tudo em excesso faz mal. Inclui-se ai, mulheres demasiadamente bravas. É como disse na primeira linha deste malfadado texto: Não existe nada mais atraente que uma mulher levemente brava. Levemente brava.

22 de ago. de 2011

Comia muçarela pensando ser mussarela

Esparramado no sofá esperava o sanduíche – que minutos antes havia preparado: pão, manteiga e queijo, muito queijo– gratinar na torradeira.

Com o controle remoto, procurava algo para assistir na televisão e, com isso, passar o tempo enquanto meu precioso manjar ficava pronto. Melhor: enquanto o queijo derretia o suficiente no meio do pão francês.

Nada num, nada outro, estacionei na Globo News. Eram pouco mais de oito da noite. O programa exibido, com particularidades de algumas regiões brasileiras lá pelas tantas anunciou uma receita culinária.

Não lembro o prato. Lembro o que li:

MUÇARELA.

Entre os ingredientes havia muçarela.

Na primeira mordida no meu exagerado sanduíche de queijo, zombei da suposta gafe global. Sem compreender ao certo, considerava-me um afortunado comedor de mussarela. O suposto erro me deixou intrigado. Como seria possível ter comido mussarela a vida toda e, de repente, a poderosa Globo me dizer que o correto é com cedilha e não com dois ‘ésses’.

Dois dias depois, desta feita, enquanto vasculhava a grande rede em busca de receitas culinárias com exageradas doses de queijo, uma vez mais li:

MUÇARELA.

Entre os ingredientes da receita pesquisada estava escrito, com todas as letras: muçarela, com cedilha e não dois esses, como até então, considerava certo.

Senti-me como que perdido e na pior das hipóteses um repetente do ensino primário que faltara às aulas da Professora Rosana. Sem hesitar busquei uma explicação. Minha pesquisa, por mais simplória que tenha sido, revelou que, de fato, eu é quem estava errado.


Em suma:comia muçarela pensando ser mussarela.

Acontece que o duplo “z” em palavras de origem italianas, quando traduzidas para o nosso bom e velho português, vira “ç”. É o caso, por exemplo, de “carrozza” que, para nós é “carroça”. Assim também o é para “piazza” (praça) e “razza” (raça).

Na velha bota, escreve-se muzzarela, com dois zês, por isso, da muçarela da Globo News e da receita da internet estarem corretos. A palavra escrita com dois ésses está, portanto, errada, embora a maioria esmagadora das pessoas neste país verde e amarelo escreva mussarela.

O professor Laércio Lutibergue, autor do livro Em dia com a língua, tem a receita: “escrevo "muçarela", mas não corrijo quem escreve "mussarela", pois sei que este é mais um dos tantos erros que o uso consagrou”.

Por falar em erros, em um texto publicado nesta mesma coluna no já longínquo 2009, confundi “calda” com “cauda”. Não fosse o olhar cirúrgico de uma das minhas queridíssimas leitoras, talvez, nem tivesse dado conta do bizarro equívoco gramatical. Lembro ter vivido dias intermináveis, até enfim, ter tido a chance de recolocar os pingos nos is e consertar o deslize. Naquela ocasião o erro foi meu e de mais ninguém. Desta feita não. O erro é de todos, já que todos comem pizza de mussarela ao invés de pizza de muçarela

A propósito, a quem queira aportuguesar a palavra pizza. Nesse caso, ficaria “píteça”. A proposta, embora tenha pouca ou nenhuma aceitação, é do gramático Luiz AntonioSacconi.

Já imaginou os cardápios:

Píteça de Muçarela. Uma beleza não?

Entre ter cautela e confiar demais


Se me perguntassem se é possível confiar nas pessoas nos dias de hoje, eu responderia que não. Nada pessoal ou que possa ser considerado como um ato antissocial. Prefiro dizer que se trata, apenas, de cautela.  A negativa, é bom que se diga, também não dizima a possibilidade em se ter amigos e manter uma rede de relacionamentos mínima. Pelo contrário. A teia de contatos, familiares ou não, é fundamental para nos mantermos nos trilhos.

Ou, nos eixos, se preferirem.

Tal qual um contrato firmado, registrado nos autos e tudo o mais, prestar a devida confiança a quem quer que seja, padece de zelo e o máximo de resguardo possível. Atores são o que não faltam. Travestidos em pele de cordeiro e carinha de anjo, para ludibriar e, no menor descuido, trair nossa ingênua confiança. Até nas relações menos íntimas, aquelas em que se preservam os ditames da malfadada e modorrenta burocracia.

Para todas, sem exceção, esta semana vos digo:

- Não há mais como confiar nas pessoas.

Os que insistem e se arriscam a conjugar o referido verbo de peito aberto, mais dia menos dia, são engolidos pela corrente egoísta, individualista, hedonista e mais quantos “istas” houverem para encorpar o coro. O tal verbo está em desuso. Esta é a verdade. Expressivo e impactante o é, cai bem, em frases de efeito, ou em discussões de trabalho e relacionamentos amorosos, mas, acabou por se tornar um pífio verbete de reserva.  

- Confiar pra quê?, grita o bêbado debruçado nas lembranças do amor perdido no fundo do salão.

Chatas como fluem estas linhas, reservo-me, por ora, as escusas aqueles que costumeiramente me leem. O que faço, não é por mau. Escrevo desta maneira e com esse tom presumidamente pessimista, não mais que, para lhes deixar um conselho.

Simples. Despretensioso. Etílico.

Prefiram a cautela a confiar demais nas pessoas.

Repito em caixa alta:

PREFIRAM A CAUTELA A CONFIAR DEMAIS NAS PESSOAS.

Pois, confiança traída é para sempre. Sem volta. Questão de honra. De palavra. Mesmo que haja o perdão. Este, aliás, existe como se para etiquetar as pessoas: boa, mais ou menos boa, nada boa, longe de ser boa. Trata-se tão somente de uma conveniência. Palavra dita. Repito: confiança quebrada e traída é para sempre. Não tem volta.

Se uma pessoa vai a um restaurante, por exemplo, é porque existe um pingo de confiança que lá ela e sua companhia serão bem atendidas. Quando isto não acontece, é como se ocorresse uma quebra no contrato de confiabilidade entre as partes. Não há mais motivo para insistir no mesmo erro, achando que no outro dia tudo será diferente. Retornar lá e correr o risco de repetir o atendimento trôpego é como querer encontrar o marido ou esposa gozando dos prazeres mais carnais com outro (a) na noite seguinte ao flagra.

Uma vez, para bom entendedor, basta.

E mais: esse cliente pode até perdoar o estabelecimento, mas não voltará mais lá e não fará questão de indica-lo para quem quer que seja.

Retomando o dito no primeiro parágrafo. É apenas cautela. As pessoas deixaram de ser cautelosas, atirando-se no mundo de qualquer maneira. Os excessos provocaram tudo isso. Não confie, seja cauteloso. Veras que é o melhor a fazer. Um sorriso bonito, um telefonema inesperado, um monte de argumentos arquitetados com esmero, não é motivo para se retomar a confiança. Nunca. Cautela, eis a palavra de ordem.

21 de jul. de 2011

A loja de sapatos e a Copa do Mundo de 2014

E o coice na bola de Elano foi só o começo. Foto: EFE


O centro da capital fervilha. No vai e vem da multidão, frases de efeito tentam convencer os que passam da compra ou venda de produtos de segunda linha. Numa grande cidade, não é permitido vislumbres ou o andar descompromissado de quem não sabe exatamente o que quer ou para onde vai. Caminha-se com pressa. A meia tarde, o ritmo tresloucado chega ao ápice e inicia o descenso, até a calmaria da noite e a tensão da madrugada. Logo adiante, no interior de um estabelecimento comercial, o conglomerado de pessoas anuncia o evento do dia, ou da tarde, como queiram: “alguma coisa aconteceu”.

Como que num passe de mágica, a pressa esvai-se. A atenção se volta para o que estaria acontecendo dentro da pequena loja de calçados. Como um rebanho de gado marcado, sem ter noção alguma do que se passa ou, mesmo, das razões que as fizeram parar nas imediações do ocorrido, a maioria dos passantes para. Observa com o semblante curioso de quem mais se preocupa com o fim da jornada de trabalho e com o início da novela das oito, que por preocupação ou interesse no que se sucede de fato. A possibilidade de ser uma briga aflora os ânimos. Entusiasma. Por pouco, não se cria uma central improvisada de apostas.

A discussão, por mais acalorada que transpareça, não é suficiente para se tornar pública. Não se ouve o que falam os brigões do lado de dentro. Alguma coisa aconteceu e isso é o que importa. Um homem de estatura mediana, de pouco cabelo e franzino, em vão, argumenta com uma mulher, pouco mais de 30, e municiada por outras duas ou três pessoas, talvez, amigos, familiares. Amanhã, fato semelhante chamará a atenção de um novo rebanho de passantes e assim sucessivamente, depois e depois e depois. A quebra, às vezes brusca, da rotina é a condicionante da manutenção da normalidade. À pressa sempre haverá um limite. O patrão, os afazeres, o mundo podem esperar até que a cena seja encerrada.  

A necessidade em se acompanhar in loco a discussão no interior da pequena loja de calçados, traveste-se de uma curiosidade embrionária e particular dos seres vivos – pensantes ou não. Somos tentados ao espetáculo. Ao sensacional. Ao fora do comum. Das arenas medievais, onde homens e animais digladiavam-se até a morte aos auditórios de programas dominicais de televisão, no fundo, queremos o show, a contemplação, o que diverte e passa tempo.

No noticiário, o sério ganha novos contornos. Espectadores natos, por vezes, acabamos subservientes aos mandos, desmandos e caprichos de uma minoria. Embora pareça óbvio e irrevogável, a possibilidade de um fracasso dantesco em 2014, é suplantada pelo sonho do hexa e da confirmação da geração de Neymar e Ganso. Em curta passagem pelo aeroporto de Congonhas, na sexta-feira, 15, entre um embarque e outro, apenas constatei o que venho martelando há tempos, inclusive nessa coluna: não temos um pingo de condição para sediar uma Copa do Mundo. O rebanho a espera do embarque, nesse caso, é passivo ante a demora, a falta de informação, e a prestação deficitária de serviços básicos, como alimentação. O mesmo se repete em qualquer aeroporto de médio ou grande porte, das cidades sedes do mundial.

Não bastasse o caos nas salas de embarque, o mandatário da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) é arrogante e ditador. É um personagem pastelão que chama atenção dos que passam mais pelo que não faz ou pelos comentários e atitudes individualistas e para seu próprio benefício. E assim, embora saibamos que a Copa e a Seleção sejam dele e não de toda nação brasileira, quando passamos diante da televisão, paramos, como parte do enorme rebanho que representamos. Ávidos pelo espetáculo, pelos gols, dribles e vitórias. No entanto, como no caso da loja de sapatos, houve pouco show e diversão da última vez que a seleção do Sr. Teixeira entrou em campo. Amanhã, como depois e depois, nossa atenção estará voltada para outra discussão no interior de uma loja de sapatos, talvez, com Ganso e Neymar como protagonistas.


17 de jun. de 2011

A espera do capitão

O xerife da zaga canarinho após marcar um gol pela seleção


Por alguma inexplicável razão, sempre achei o Lúcio, zagueiro da Inter de Milão e da Seleção Brasileira parecido com um tio (ou será ex-tio) meu, ex-marido de minha tia, irmã de minha saudosa mãe. No sábado pela manhã, 11 de junho, recém-chegado ao Aeroporto Internacional de Brasília, procurava um assento para a espera pelo voo até Porto Alegre, remarcado do dia anterior, então cancelado devido às cinzas do furacão chileno que pairava no Rio Grande do Sul. O tempo cinza mantinha uma camada densa de névoa nos céus da capital federal. Não havia como voar. Cheia, a sala de espera, comportava desde remanescentes de outros voos cancelados de dias antes, até passageiros com passagens marcadas para a véspera do dia dos namorados. Muitos destes, casais em busca de um final de semana romântico.

Havia dado quase uma volta completa no saguão, quando, enfim, encontrei onde sentar. Coloquei a mochila sobre as pernas, a fim de guardar as duas revistas que me fariam companhia durante o voo. Ao meu lado um solitário rapaz também aguardava o chamado para embarque e a sua direita, com uma criança no colo, o zagueiro da seleção. A primeira vista, Lúcio me pareceu bem ‘menor’ do que transparece pela televisão. Menos implacável, digamos. Até, custei a reconhecê-lo. A filha – ainda que o fluxo de pessoas indo e vindo gerasse um barulho impróprio para o descanso – dormia como se nada pudesse ser suficientemente capaz de importuná-la. A direita do capitão, o filho, um garoto de cerca de 10 anos, manuseava o celular com rapidez, distraindo-se com um jogo eletrônico qualquer. Lúcio permanecia quieto, como se preferisse não ser incomodado. Por ninguém.

“Olha ali, não é o Lúcio, o zagueiro?”, cochichou uma mulher, sentada no banco em frente, para o marido distraído, em pé, e angustiado com a demora do embarque. A quase notícia animou o homem. Com um sorriso, ele confirmou para a mulher se tratar do famoso jogador e inquieto, aproximou-se, estendeu a mão e por pouco não acordou a pequena no colo do pai campeão. “E aí Lúcio, vai pra Porto Alegre também?", perguntou, dizendo que estava preso em Brasília desde quinta-feira a espera de liberação para retornar para casa. “Não, vou pra Salvador”, respondeu o capitão, reforçando não estar muito disposto a enfrentar, por agora, o frio da capital gaúcha. 

Chamado para o embarque o solitário rapaz a minha direita e esquerda do futebolista famoso, antes de se retirar, aproveitou para cumprimentar o jogador e desejar boa sorte. Com a poltrona vaga, o outrora distraído gaúcho sentou e voltou a carga. “Volta quando pro Beira-Rio, tá difícil continuar com o Bolivar”, disse, como se esperando uma declaração bombástica ou então, que o jogador jurasse amor pelo Sport Club Internacional, clube que praticamente o revelou para o mundo. Nada disso. A simpatia do capitão ainda que longe de ser forçada, parece fruto dos anos de contato com fãs, imprensa e o mainstream do futebol. A conversa entre os dois terminou assim que a mulher do jogador e a filha mais velha retornaram.

“Nosso voo foi cancelado”, contou a mulher ao zagueiro. Com um pouco de sorte, segundo ela, seria possível um encaixe para um voo até Porto Seguro, às 11h. Aquela altura passava pouco das 8h30. O portoalegrense curioso ficou sem saber se Lúcio, um dia, voltaria a compor a zaga do Inter e o jogador, em segundos, desfez o sorriso do rosto

A notícia deixou o camisa 3 ainda menos disposto a conversas superficiais, como a que manteve com o fã colorado. A cara de poucos amigos, a filha no colo, e o transtorno do atraso na viagem, na certa, inibiam outros passageiros a se aproximarem e ‘tietar’ o beque, com nítidos sinais de querer tão somente confirmar o embarque para o litoral e a retomada do descanso antes de se reintegrar ao grupo da seleção que em julho disputa a Copa América na Argentina. Até a esposa tentou.  “Vai buscar um suco e um pão de queijo pro seu pai, vai”, disse para o garoto que jogava no celular. “Não quero nada não”, respondeu o jogador, antecipando-se ao filho.

Com um beijo no rosto da pequena que descansava em seu colo, Lúcio fixou o olhar em algum ponto qualquer do saguão, e segundos depois, voltou-se para a mulher e pedindo que providenciasse a mudança no voo. Agora com a filha mais velha sentada a sua esquerda, o zagueiro pediu aos filhos que encontrassem no GPS do celular, algum lugar que pudessem ir enquanto aguardavam o embarque. Enquanto conversava com os filhos, o capitão voltou a sorrir. A espera de Lúcio me fez ter mais certeza sobre minha descrença na realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014. Pena que não perguntei a opinião do capitão, que sim, lembra vagamente meu tio ou ex-tio, ex de minha tia, irmã de minha mãe.


PS: Este post é especial, pois, trata-se da ducentésima publicação do blog



7 de jun. de 2011

E tenta-se minimizar o erro

Imagem retirada do blog Futbosta

O novamente barbado governador da Bahia teve passagem meteórica por Luís Eduardo Magalhães. Entre o pouso, translado até o complexo Bahia Farm Show, discurso, recebimento de uma homenagem pelos serviços prestados em prol do fomento agrícola da região, atendimento à imprensa, visita ao estande de agricultura familiar da prefeitura, retorno ao aeroporto velho e decolagem para Brasília, talvez, se muito, três horas de relógio. 

À tarde (do dia 31 de maio, diga-se), conforme dito no palanque montando para os ritos inaugurais da sétima edição da feira, Wagner se reuniria com a presidente Dilma Rousseff, com outros colegas governadores e ministros de governo. Em pauta, as obras para a Copa do Mundo 2014.

Dilma, além de primeira mulher a governar o país, recebeu das mãos imperfeitas do ex-presidente Luís Inácio, dois senhores pepinos – ou abacaxis, como queiram – para descascar. Afinal, cabe a ela colocar em prática o apertado cronograma de obras exigidas pela Fifa e pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e assim, dar condições mínimas ao país de sediar tais eventos

No encontro com os governadores, prefeitos e ministros, foi anunciada a concessão de alguns aeroportos à iniciativa privada. A saber: Guarulhos (SP), Viracopos (SP) e Brasília (DF). Afora isto, é sabido não haver infraestrutura suficiente para suportar a chegada das centenas de turistas estrangeiros que virão ao país durante os jogos, e terão de se instalar e se locomover em território nacional.

Mais: a três anos do início do maior torneio de futebol do mundo os estádios que deverão sediar os jogos, ou estão com obras atrasadas, ou com seu cronograma apertado. Qualquer novo atraso pode incorrer em vexames colossais, tão previsíveis quando os subliminarmente estampados nas reportagens dos jornalões do centro do país, que, ou alertam para as previsões nada otimistas de conclusão das obras; ou reforçam o fato da maior cidade do país ainda não ter um plano concreto de um estádio para sediar a copa; ou ainda, descrevem o óbvio: os aeroportos das capitais sedes beiram o caos. A medida anunciada na tarde do último dia de maio, parece apenas amainar o vespeiro.

Entre o risco iminente de lotearmos o país com vários elefantes brancos, no final de abril, o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro (CREA-RJ), Agostinho Guerreiro, advertia publicamente que o atraso na execução das obras para a Copa de 2014 pode levar o país aos mesmos erros cometidos durante a realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007, leia-se, com encarecimento no custo final e falta de qualidade dos projetos. 

A contar pela patacoada na implosão do Estádio Mané Garrincha em Brasília, as chances de adentrarmos o ano dos jogos tendo de correr contra o tempo são grandes. Afora isto, basta uma passada por qualquer um dos aeroportos das cidades sedes da Copa para comprovar a deficiência, o despreparo e o inchaço destes locais.

A declaração de Guerreiro é pontual. O exemplo ruim do Pan do Rio quatro anos atrás deveria ser usado para a feitura de um trabalho, no mínimo, melhor planejado. “A obra do Pan ficou num ritmo muito lento e depois tudo foi feito de afogadilho na última hora. Essa tradição temos que romper. As coisas ficam prontas, mas não ficam boas. Ainda há tempo para termos excelentes equipamentos esportivos para a Copa do Mundo”, afirmou o presidente do CREA fluminense, notadamente otimista que, no final das contas, vai dar tempo e o país não vai passar vergonha.

O otimismo, aliás, em se tratando de políticos e outros tantos corresponsáveis pela realização da Copa chega a ser comovente. A ilusão de um evento megalomaníaco como este cega as pessoas. Quando a Copa chegar, faremos mutirão para encobrir as deficiências que não fomos competentes para minimizar. A maioria do brasileiro não terá acesso aos jogos ou ao ambiente da Copa

Uma minoria irá se beneficiar e ao apito final do derradeiro jogo da copa, tentará se encobrir os escândalos, as mazelas e o prejuízo. Se pesar os prós e os contras, a balança não vai mentir. 

A Copa do Mundo no Brasil é um erro

A Bahia quer o jogo inaugural, avisou Wagner na reunião com a presidenta e demais políticos de grife do país, o oeste quer a emancipação e os quase mil quilômetros entre Salvador e a região do cerrado baiano, para a maioria dos que moram do lado esquerdo ro rio, continuará a ser feita em 15 horas dentro de um ônibus nada confortável, bem diferente da horinha de voo restrita à poucos privilegiados.

14 de mai. de 2011

Seu Könemann ficaria orgulhoso

Willian Tanase, bisneto do "seu Könemann" ao piano. Foto: Daniel Tanase (o papai)

O motivo de aquela foto ficar guardada dentro do armário de louças, eu nunca soube. Em preto e branco, era o registro de uma orquestra que não mais existia. Os músicos vestidos com smoking empunhavam cada qual, seus respectivos instrumentos. Havia a turma do sopro – a maioria – o baterista ao centro, e meu avô, barba feita de maneira impecável e goma no cabelo, a direita do grupo com o contrabaixo (ou como ele mesmo preferia, o rabecão), instrumento no qual era especialista. Aquela imagem era o registro do que foram as grandes bandas (ou, big bands), as quais hoje em dia as novas gerações têm conhecimento apenas pelos filmes de época, que retratam as décadas de 1940 ou 1950.

Meu avô sempre foi um homem honesto, limitado pela falta de estudos, mas inteligente o suficiente para bem educar os filhos e deixar para os netos herança semelhante. Foi o maior músico que conheci. Não o melhor, o maior. Era um sujeito simples, conservador, mas de uma sabedoria gigantesca. Nunca o vi tocar nesta (da foto), nem em outra orquestra. Como músico, lembro dele pela gaita de boca e pelo baixo elétrico. Era dono de um vozeirão grave, o que, a primeira vista, poderia dar a falsa impressão se tratar de um homem rígido e até um pouco cruel. Daqueles que assustam criancinhas travessas. No caso dele, bastava um único sorriso para esta impressão ser dizimada. As bochechas rosadas como duas enormes maçãs, o olhar pequeno e a inseparável boina que usava para proteger a calvície o transformava no mais acolhedor e afetivo dos seres.

Em qualquer ambiente e com qualquer público, quando pegava na gaita de boca era sinônimo de animação. Com o passar dos anos, esses momentos se tornaram escassos, devido ao fôlego esguio que o impedia de tocar o instrumento por muito tempo. Com o arqueado contrabaixo amarelo e sem trastes, após ter conhecimento do desejo, meu e de meu irmão, de fazer música, tentou nos ensinar algumas lições básicas sobre tempo e compasso. Certa vez, para desespero de minha saudosa mãe, emprestou o dito cujo para que eu e meu irmão iniciássemos um projeto musical. Foi um desastre. Uma das cordas do arcaico instrumento arrebentou no primeiro toque. Tivemos de trocar a corda, aguentar uma das maiores broncas de todos os tempos e ainda contar o acontecido para ele.

Por todo sempre, vou repetir e repetir: "o melhor músico que conheci". Foto: Arquivo de Família
Para nossa surpresa não fomos reprimidos. Embora, vez ou outra, ele tenha se queixado que o baixo nunca mais foi o mesmo, é fato que as cordas nunca, até então, haviam sido trocadas. Estavam velhas, desgastadas e ainda assim emitindo um som único, estranho, mas que agradava os ouvidos dele. Meu avô fez o que considerou certo. Por amor. Por saber, no seu íntimo, que não conseguiria negar um pedido destes vindo de seus netos. Ele estava contente pelo interesse que desenvolvíamos pela música. Nossa paixão continuou. Tanto eu quanto meu irmão mantivemos projetos musicais, embora nenhum deles tenha agradado de um todo meu avô, que sempre sonhou ver os netos seguindo o mesmo caminho que ele, tocando em bandas de baile.

Hoje em dia, apenas meu irmão faz da música uma prioridade, uma vez ter se formado bacharel em música e ainda manter projetos musicais ativos. Entre os demais netos, a de se registrar o que sonha se tornar o sucessor de Luan Santana e as que emprestam a voz angelical para cantar nas igrejas que frequentam. O que talvez meu avô não suspeitasse, à época em que emprestou o baixo e tentou ensinar a mim e meu irmão, breves, mas pontuais lições sobre tempo e compasso, é que um de seus bisnetos, ainda que de maneira precoce, também se enveredasse com a música.

Quando o pequeno William cumprimentou a plateia e sentou em frente ao piano, trouxe novamente a lembrança do avô carinhoso e de bom coração. Os pequenos dedos do projeto de pianista aliado a sua já sagaz percepção fizeram com que ele, o pequeno, exigisse mudar o final da canção que haveria de interpretar na noite do sábado, 7 de maio. Ainda que tenha revelado, após a apresentação, ter cometido um erro, William, que também carrega o nome do bisavô, Arthur, encantou a todos, igualmente fazia o bisavô quando tocava a gaita de boca. Seu Könemann ficaria orgulhoso, disso não tenho dúvida. O traje da velha foto guardada no armário das louças e do pequeno pianista em sua primeira apresentação se assemelham, o que não é uma simples coincidência. Seu Arthur, meu avô, e bisavô de William, partiu em 21 de maio de 2005, vitimado por problemas cardíacos.

O pequeno pianista em ação. Foto: Daniel Tanase (o papai)

PS: Infelizmente, não tenho a foto citada no primeiro parágrafo digitalizada. Fico devendo essa.