22 de out. de 2011

Eu te amo!


Habermas: “O mundo da vida é a esfera de 'reprodução simbólica', da linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objectivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjectivos”


Foi de repente. Uma pequena mão com unhas feitas e esmalte transparente me bateu nos ombros para me entregar um bilhete. “Você tem namorada?”. O questionamento me causou surpresa. Assistia a uma aula sobre a Escola de Frankfurt, recheada de teorias e frases do tio Theodor Adorno. Era noite e ainda tinha de encarar uma desgastante viagem de 90km em um ônibus nada confortável e repleto de baderneiros.

A responsável pelo bilhete tinha o cabelo cacheado carregado com cremes e hidratantes. As madeixas negras estavam sempre úmidas. Usava óculos e tinha os olhos escuros como a noite. Morena de rosto esguio, não era bonita tampouco feia. Era comum. Nada, além disso. O maxilar um pouco alongado acentuava o sorriso, com todos os dentes a mostra, diga-se, brancos a neve.

No mesmo bilhete, rabisquei a resposta: “Não, por quê?”. Em instantes, o mesmo pedaço de papel, um pouco mais amassado que do início do seu vai e vem, retornava as minhas mãos. “Quero falar com você no intervalo”. Olhei as horas. Ainda tinha uns 20 minutos de explanações sobre Adorno, Horkheimer e outros pensadores da comunicação dos séculos XIX e XX.

Pensei:

- Que diabos, essa mulher quer comigo no intervalo?

No banco frio e cimentado do corredor da faculdade, sentamos, eu e ela, a morena de óculos e cabelos úmidos. Ela estava nervosa. Conhecíamo-nos, se muito, há uns dois meses. Após alguns rodeios, ela, enfim, revelou o que a agoniava tanto:

- Eu te amo!

Corei. Como assim me ama. Não é possível. Alguma coisa estava errada. Por pouco não coloquei as costas da mão na testa da guria. Podia ser febre. Amor, não. Jamais.

- Eu tenho pensando muito em você e estou certa que te amo – continuou.

Pedi um tempo. Precisava (mos) respirar. Sabe como é. Não é todo dia que uma pessoa diz para outra “eu te amo”. Isso não acontece com um estalar de dedos. Não fiz nada para que aquela jovem, à época com seus 18 ou 19 anos, de uma hora para outra, revelasse uma paixão por mim. Falei que a entendia mas que – infelizmente (ora, precisava ser educado) – não nutria por ela o mesmo sentimento. Logo, não havia chance alguma daquela história ir adiante.

Encerrada a conversa fui ao encontro do melhor amigo que tinha na classe naqueles saudosos dias. Contei a ele. Tudo. Às gargalhadas, confessou-me:

- Relaxa meu amigo, não és o primeiro.

Como assim. Houve outros antes de mim. Era uma várzea. A cada palavra dita, sentia um peso saindo das costas. Estava preocupado com a garota. Não precisava. Para minha total e absoluta surpresa, eu já era o terceiro pelo qual a morena de rosto esguio se apaixonava desde o início do semestre. Em suma, outros dois antes de mim, passaram pelo ritual: troca de bilhetinhos durante a aula e conversa no banco de cimento do corredor.

Essa história me faz lembrar a política. O quão fácil e rápido se “ama” e se vende e se compra. O quão promíscuo e rasteiro é o ritual de troca de bilhetinhos e conversa no banco do corredor. “Eu te amo”. Frase de bajulação. As pessoas são carentes. Precisam ouvir esse tipo de agrado. Pena. Ama-se de mentira. Temporadas. Momentos. Não é algo verdadeiro. Tem interesse. As urnas. O amor é o teu voto. Eu te amo, vote em mim. Outubro. Um ano. Não é mais sem tempo. Apaixonar-se. Palavra de ordem. Custe o que custar. A paixão é não é para sempre. Tem prazo. Limite. Tempo determinado.

O bilhete, assim que terminou o intervalo, foi devidamente amassado e depositado no lixo. A conversa, em duas semanas, esquecida. A vida seguiu seu rumo. Os amores da morena de rosto esguio a levaram a conhecer seu verdadeiro amor. Enfim. Quem dera fosse assim também com a política. Não é. Respeito. É tudo que se exige de quem legisla e executa. Seguimos com Habermas, “O mundo da vida é a esfera de 'reprodução simbólica', da linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objectivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjectivos”. Amém!
           


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