30 de nov. de 2010

Desde cedo

[Aprendendo a lidar com os aparatos digitais desde cedo. Foto: @antonroos79, Setembro/09, Curitiba/PR]

Igualdade, intolerância, Huxley, Orwell...

Se fôssemos todos iguais, o mundo
seria uma chatice só

Levante os braços e agradeça por sermos diferentes uns dos outros. Imagine se fossemos todos iguais. Não haveria diversidade e, logo, combustível para a engrenagem que faz a carruagem seguir em frente manter o prumo. 

O mundo seria bestialmente chato

Se todos fossem tímidos, não haveria, praticamente, interação social. Cada qual em seu mundo, confabulando, teorizando e nada fazendo. Se fosse o contrário, as orgias, é bem possível, seriam infinitas, regadas a um falatório insuportável. Brigas, discussões, bacanais de toda ordem, um completo esculhambo. A junção destes e outros tipos fazem do viver uma arte, às vezes, bela, às vezes, triste. Pena sermos tão intolerantes. Depois tratamos disso.

O planeta precisa dos chatos, tanto quanto precisa dos nerds, dos extravagantes, dos reclusos. Faz parte de uma ordem natural, talvez, aquém nosso – sempre restrito – conhecimento. Mais: se houvesse igualdade em tudo e todo lugar, adeus clubes de futebol. Jogos na quarta e no domingo. Cerveja gelada, churrasco e flauta com o adversário. Ora, pois, que razão haveria para alguém torcer para um time em vez de outro? Nenhuma. Seriam todos iguais. O esporte, por si, não faria sentido. Nenhum deles. Música e artes e política. Idem. O mundo como o conhecemos não existiria. Por enes motivos. Uns bons outros maus. Seria, apenas, diferente e difícil de imaginá-lo.

Aldous Huxley, no longevo ano de 1932, ousou tratar de um mundo sem diferenças no clássico literário “Admirável Mundo Novo”. George Orwell, no também clássico e não menos atemporal, “1984, foi outro que se predispôs a imaginar um mundo diferente deste como conhecemos e vivemos. Em ambos, apesar de contextos díspares, os seres humanos são incentivados pela eficácia da repetição – desde bebês – a seguirem regras tidas como imutáveis. Como se fosse o único caminho e modo de pensar e agir. Os dois livros são indispensáveis e altamente recomendados. Leiam, releiam, e teçam suas próprias considerações ao final.

O clássico de Huxley é sempre uma
boa pedida de leitura
Na impossibilidade de se recriar um mundo, semelhante ao descrito nas páginas dos livros de Huxley e Orwell, a força e a imposição de determinada ideia, ainda que feita à base de gratuita violência, transformaram-se em alternativa para imposição de uma falsa igualdade. Guardadas as devidas dimensões de comparação, o que protagonizou Adolf Hitler com o massacre de milhões de judeus e sua tresloucada tentativa de fazer emergir a tal supremacia ariana, pode-se traduzir como exemplo para o que se discute. Aliás, existem outros exemplos talhados com sangue inocente em que se tentou transformar uma ideologia em regra de convívio universal ou de um conglomerado de gente. Ditaduras (ou princípios de) se espalham, ainda hoje pelo globo, vide os casos de Venezuela e Coreia do Norte, por exemplo. Em todos estes e outros mais, o triunfar da intolerância. A propósito, os males todos que somos obrigados a assistir diariamente são fruto da falta de tolerância entre os homens.

Pena.

Se, por um lado, as diferenças entre os seres humanos são motivo para arquear os braços em comemoração, por outro, a intolerância e mania de uns poucos em não aceitar a diversidade, tentando impor suas vontades goela a baixo dos discordantes é, e sempre será, motivo de repulsa. Os seres humanos não foram concebidos para serem iguais uns aos outros. Não há de ser um livro ou dois, ou mesmo a ilusão de um ou outro mentecapto como fora Hitler e o é Chavez que transformará para pior este mundo. Viva as diferenças, abaixo a repressão, a intolerância e o achismo de uma minoria em fazer do ambiente em que vivem seu parque de diversões particular.

A única igualdade que conseguiram incutir, infelizmente, no imaginário popular até hoje é que todos podem ser jornalistas, assim, com um estalar de dedos.



18 de nov. de 2010

João-de-barro

O piso ladrilhado brilhava. A aparência da capela transparecia um sentimento de paz que conquistava cada coração que lá se fazia presente. Eram pouco mais de 14h quando o canto do joão-de-barro ecoou de novo. Eu o vi e suponho ter entendido seus desígnios aquela tarde. Após uma semana acompanhando o sofrimento de mamãe no hospital ele viera se despedir. Isso se não estava ali cantarolando em sinal de chamado. Quem sabe.

Além de exímio cantor, o pequeno pássaro é também um arquiteto e tanto. Trabalhador incansável. Prefiro imaginar que ele laborou ininterruptamente durante os seis dias que mamãe permaneceu hospitalizada na construção de sua morada no pós vida. Imagino, claro, o ideal de paz para ela. O melhor depois de tanta angústia. O melhor. Tal qual fizera o pequeno Matheus.

O desenho de garotinho de seis anos e filho de minha prima Emanuella é a síntese daquilo que sentíamos. E a mim ninguém convence que o desenho seja uma representação do último transporte usado por mamãe. Pois o bondinho externado no papel é isso. E não cabe a razão, muito menos a emoção, desconsiderar o que a criança disse. O significado daqueles traços.

2009 vai ficar eternamente registrado como o ano que mamãe viajou com este bondinho por céus e terra, até seu destino final. Teve como companhia a paz e serenidade dos coqueiros de uma praia. E claro do joão-de-barro que nunca deixou de cantar. Fez sua última viagem na melhor companhia, pois cumpriu com sua missão entre os vivos. Aposto que está em um lugar muito melhor e menos tumultuado. Feliz o joão-de-barro e feliz os que tem a sorte de andar no bondinho. Pois, dizem: seu condutor é o próprio Deus.


***

Encontrei este texto após rápida varredura em arquivos antigos no meu notebook. Infelizmente não tive a mesma sorte em relação ao desenho. Achei que seria válido publicar o texto, afinal, as saudades são eternas, 1 ano e 8 meses depois.


11 de nov. de 2010

Ah, o mar

[Tem momentos em que estar fora de forma é tão somente um detalhe insignificante. Foto: @bruna_pires]

Ah, o mar


Verão chegando. 


Saudade da água salobra, da areia e dos marquinhas de biquini


Aguarde imenso azul, um dia irei para ficar.



A caçadora

Lembro de ela ter entrado no escritório vestindo uma saia minúscula. Daquelas feitas sob medida para deixar um homem com a pulga atrás da orelha, em estado de alerta e com o instinto animal atiçado. Ela remexia o quadril como se sussurrasse: “estou te provocando, não percebe”. Aliás, era isso que ela queria. Provocar um ataque desmedido, e, se consumado àquela hora da tarde, em pleno horário de expediente e sob risco de ser presenciado por quem quer que se atravesse a passar diante da única janela da minúscula sala comercial em que trabalhava, no mínimo me custaria o emprego.

Ela exalava malícia e sabia exatamente o que queria. Sentada a minha frente, fez questão de deixar as pernas torneadas e pinceladas com a cor do pecado, a mostra. Falou quase miando, como uma gata selvagem.

- Oi, estou sem calcinha hoje.

Aquela não fora a primeira, muito menos a última vez, em que ela demonstrou suas intenções carnais para comigo. Ela era uma caçadora. Felina, habilidosa e, principalmente, decidida. E justamente por isso, eu sabia que ela iria continuar e continuar e continuar. Foi assim durante meses. Saias minúsculas, telefonemas, até faxes com propostas indecentes. Ela usou de todas as ferramentas possíveis e, talvez, imagináveis para o período, uma vez, naqueles dias não termos nenhum, nem outro, e-mail ou celulares para mensagens instantâneas.

Até chorar ela chorou. Publicamente, diga-se.

No entanto, e por algum motivo, por mais que ela insistisse menos vontade em ceder eu tinha. Havia se tornando fácil demais. Eu simplesmente não queria. Estava decidido e nada nem ninguém seria capaz de me fazer mudar de ideia. Nem mesmo ela sentar diante de mim com uma micro saia miando estar despida das peças íntimas. Nem isso. Podia ser taxado de louco, de frouxo, o que fosse. Não importava. Ao perceber meu desinteresse, aos poucos as visitas no meio da tarde findaram os telefonemas também e as propostas recheadas de indecência idem. Por um tempo, ela sumiu. Aliás, demorou para nos vermos de novo. Alguns anos para ser mais preciso.

E quase não a vi. Tinha pressa. Foi ela quem chamou pelo nome. Estava diferente. Sem as saias minúsculas e as propostas descaradas. Havia se tornando mãe. O pequeno, inquieto, brincava perto dela. Conversamos durante horas. A caçadora, felina e decidida havia se tornando mamãe. Fiquei feliz. Rimos juntos de tudo que havia se passado, principalmente, do aprendizado de cada um em relação àquela história. Naquele dia ela me confessou que fui o único homem a dizer não para ela. A única presa que lhe fugiu por entre os dedos. Descobri, durante aquela conversa, que havia lhe feito mal. Ferido seu coração. De tanto negar suas investidas, acabei semeando um sentimento aquém o desejo e a paixão pura e simples. Ela queria algo mais que me provocar com insinuações picantes. Eu, pelo contrário, após ouvir sua tardia declaração, queria jamais ferir o coração de alguém novamente.

Depois deste reencontro, voltamos a conversar algumas vezes, mas sempre de maneira esporádica. Ela se tornou mamãe de novo e atualmente ataca de micro empresária. Encontrou a paz e parece ter desviado aquele perfil de caçadora voraz para outros fins. Continua sabendo o que quer, e o mais interessante, continua a ser uma mulher decidida. Fiquei, uma vez mais, feliz. No entanto, em uma de nossas últimas conversas, a ex-caçadora revelou ter vergonha de muitas atitudes que tivera no passado. Tentei apaziguar. Argumentei que aquilo fazia parte de uma fase de sua vida que, indiretamente, a teria auxiliado no seu crescimento e desenvolvimento como ser humano, uma espécie de ponte para a mulher que ela se tornou.

Não sei se ajudei.

Compreendo que ela tenha vontade de rasgar algumas páginas dos tempos em que tinha 18 ou 19 anos, mas sempre fui adepto da tese de que devemos aprender com os erros que cometemos e nunca nos resignarmos ao arrependimento. No fundo, todo ser humano passa por fases de provação na vida e são nestes períodos de instabilidade que construímos as bases daquilo que seremos quando, de fato, nos tornarmos adultos e maduros.

Por fim, fato é que a vida nos ensina algumas lições que só nos damos conta depois de um tempo. Particularmente, nunca saberei o que aconteceria se caso, uma única vez eu tivesse dito sim. Mulheres com o perfil de caçadoras, podem ser perigosas, mas não necessariamente devem ser subestimadas.

Nota de rodapé:
Hoje, passados mais de dez anos do dia em que ela entrou no meu, então, local de trabalho vestida com uma saia minúscula e cheia de segundas intenções, resta-me somente, aproveitar o espaço e oportunidade para enviar-lhe um singelo e cordial abraço pelo aniversário completado no domingo, 31 de outubro.

Sendo assim, feliz aniversário, caçadora!  


****

Texto originalmente publicado na edição de nº 211 do Jornal Classe A e editado para postagem no blog


9 de nov. de 2010

O dia que vi o Rush – Parte 3 [enfim, o sonho realizado]

Reparem que meu ingresso contém o meu nome e RG. Para guardar mesmo.

Ingresso na mão, fomos eu e Tiago rumo ao portão de entrada. Lembrei do malfadado guarda-chuva que carregava na mochila. Passei pela primeira revista. Pela segunda. Subimos uma rampa antes da derradeira revista, esta sim, feita por policiais. Achei conveniente contar a verdade e dizer, de cara, que tinha um guarda-chuva na mochila e que pela manhã chovia em Porto Alegre.

O policial apenas pediu para ver o guarda-chuva. Disse-me que tudo bem e que somente guarda-chuvas com ponta não eram permitidos. Por fim, me desejou um bom show. Entrei no Morumbi. Nada poderia me impedir de realizar o sonho de ver os três patetas ao vivo. Nada.

Quando pisei na pista, olhei para cada canto do estádio e gritei. Levantei os braços e comemorei como se tivesse conquistado o título de um esporte que não prático. As 18h estava dentro do Morumbi, sem ter gasto exorbitâncias para chegar e com um único pensamento: aproveitar ao máximo. Em 2002, não pude assistir a primeira vinda do trio ao país e oito anos depois, prever uma terceira vinda era loucura. Além do mais, por mais que um dia eles voltem, a oportunidade de ver e ouvir a banda tocar o álbum Moving Pictures (1981) na íntegra é uma só. Outra colher de chá para os fãs como esta, sabe-se lá quando. A máquina do tempo, nesse caso, só trabalha uma vez.

A capa do álbum Moving Pictures (1981), tocado na íntegra na turnê

A meta então, passou a ser encontrar um bom lugar para assistir ao show. Depois da invenção da área premium, esta tarefa ficou mais difícil, pois além de ter de chegar com enorme antecedência aos locais dos shows, é preciso ter sorte para não ser esmagado pela multidão que vem de trás, torcer para que nenhum troglodita com dois metros de altura estanque a sua frente na pista premium, impedindo, desta maneira, que você enxergue o espetáculo e, também, que nenhum segurança resolva fazer o mesmo e atrapalhar ainda mais a visão do palco.

Não demorou para que os sintomas de todo o desgaste daquele dia aflorassem. Passar três horas e meia até o início do show em pé não é uma tarefa simples para quem já passou dos 30 anos. É tanto que resolvi não mais assistir shows da pista, depois que o show terminou. Se não tiver grana para bancar o “phodão” na área vip, ou vou para as arquibancadas ou me contento com vídeos no youtube e lançamentos em DVD.

Tentando não pensar na mochila que carregava nas costas, nem no desconforto que sentia nos pés, vi o coração disparar quando as luzes se apagaram e o vídeo de abertura do show começou a rodar no telão. A qualidade do vídeo, diga-se de passagem, torna a condição de fã da banda ainda mais natural. Aliás, como é bom ser fã do Rush. Você paga para ver um show, de brinde assiste a dois vídeos impagáveis e extremo bom gosto, dois sets e cerca de 24 músicas irretocavelmente tocadas.

E mesmo, depois da internet ter facilitado a vida de todo mundo, proporcionando vídeos quase que instantâneos de qualquer show das turnês dos nossos artistas preferidos e de todos sabermos o repertório que será tocado muito antes do show, vale cada centavo estar presente in loco, fazendo parte daquilo tudo. Na primeira parte do show, por exemplo, Geedy Lee cantou como se estivesse com o mesmo poder de fogo do final da década de 1970.

Feliz da vida, com uma cerveja gelada e o ingresso do memorável show
Canções como “Presto”, “Marathon”, “Freewill” e principalmente “Subdivisions”, fizeram daquela primeira parte do show um verdadeiro arregaço. Que banda extraordinária. Como tocam, Lee, Lifeson e Peart. O fim da primeira parte, foi também o reinício do meu martírio pessoal. O cansaço aos poucos estava se tornando iminente. Esperar por mais 20 minutos até o reinício do show foi das tarefas mais angustiantes de todo dia e noite de 8 de outubro.

Na segunda parte do espetáculo, o Moving Pictures inteirinho. A começar por “Tom Sawyer”, a música que no Brasil ficou famosa devido a abertura do seriado Profissão Perigo. Antes porém, outro vídeo, tão bom quando o reproduzido na abertura do show. A execução do clássico álbum de 1981, não foi perfeita por dois pontos: a voz de Lee falhou em alguns momentos, principalmente em “Red Barcheta” e o vento empurrava o som para tudo quanto é lugar, fazendo com que, em alguns momentos, se tivesse a impressão da banda estar tocando apenas com os retornos do palco. A música mais prejudicada pela ventania foi “Vital Signs”, infelizmente, já que se trata de uma música interessante no repertório arrebatador de Moving Pictures.

Impossível deixar passar em branco, também, as duas novas canções que farão parte do próximo disco de estúdio da banda, Clockwork Angels, previsto para o ano que vem. “BU2B”, tocada na primeira parte do set e “Caravan” são dois petardos, com baixo na cara e riffs de guitarra como a muito não se ouvia em discos da banda. Sinal que vem coisa boa por aí.

Neil Peart e seu kit de bateria. 
Não bastasse apresentar um dos seus mais emblemáticos discos, o trio canadense ainda tem fôlego para desfilar alguns clássicos da década de 1970, como as primeiras duas partes da sensacional 2112” e a belíssima “Closer to the heart”. Neil Peart, o polvo responsável pelas baquetas, como sempre, é capaz de fazer cair o queixo de todos os presentes com um solo de bateria irreprensível. Pena que, a essa altura, meus dois joelhos também tenham começado a enviar sinais para meu cérebro, como se fosse meu pobre e mortal corpo dizendo: Você não tem preparo físico para agüentar tanto tempo em pé.

De fato, a parte final do show foi uma luta para me manter de pé. O torpor era inevitável. Assistia a demonstração de preciosismo do trio em cima do palco, como que satisfeito por toda a maratona que tive de passar para vê-los, mas ciente que não tenho mais pique para suportar tanto desgaste para tentar ver um show. Vale a pena, pelo clima, por fazer parte de toda aquela história, e porque por pelo menos dois dias, os pés, as costas e o pescoço vão te lembrar que você resolveu ultrapassar os teus próprios limites para assistir a um show de rock.

Bom, possivelmente seja o único a considerar a escolha de La Vila Strangiatto para abertura do bis com um equívoco. A música é linda, e por ser instrumental, dá uma trégua pro gogó do Geedy, mas para quem teve o dia do cão que eu tive, ela não foi a melhor opção para aquele fim de show, diferente de “Working Man”, que embora tenha sido tocada numa versão diferente, sem o destruidor riff de abertura, mostrou para quem quer que fosse que no palco, dificilmente, uma banda é melhor e mais certeira que o Rush. Uma pena que, a esta altura, eu já estivesse tão destruído.

Antes do apagar geral das luzes, um terceiro vídeo foi apresentado nos telões. Pelo que soube, trata-se de um extra do filme “Eu te amo, cara”, o qual ainda não consegui assistir. Para fãs do Rush é essencial, para quem não conhece, vale como incentivo para tentar entender o porque do Rush ser a banda que é, com fãs tão especiais e diferenciados.


O dia que vi o Rush – Parte 2 [a odisséia]

Entre embarque e a decolagem, passava de 15h15min, quando enfim, a aeronave começou a sobrevoar Porto Alegre rumo à São Paulo. A boa notícia, pensando da forma mais otimista possível, é que na pior das hipóteses, antes das 17h, estaria em São Paulo, logo, na cidade em que os canadenses se apresentariam naquela noite. Ou seja, a probabilidade de perder o show, foi reduzido a zero. Ver o Rush era questão de horas.

Neófitos na maior cidade do Brasil, começamos, eu e Tiago, uma peregrinação em busca do método mais rápido e barato de chegar ao Morumbi: metrô. Para se ter uma ideia, o serviço de táxi do Aeroporto de Guarulhos até o Estádio do Morumbi custa R$ 141 reais, ou seja, para duas pessoas, de bermuda, camiseta, boné e um show para assistir (cujo ingresso já havia custado R$ 150 reais) estava fora de cogitação.


Para chegar até a estação de metrô mais próxima, no entanto, precisamos embarcar em um ônibus rumo a Tatuapé. A viagem, de cerca de meia hora, nos fez pensar nas possibilidades. Contando com a sorte, poderíamos chegar ao estádio antes das 18h. Não podíamos errar, muito menos, bancar os manés na grande metrópole. Era chegar na Estação Tatuapé e em poucos minutos já estar dentro do metrô e assim por diante. Sem falhas.

No meu caso, havia um outro problema. Comprei o ingresso com a opção de retirada na bilheteria, ou seja, precisava chegar ao estádio e encontrar a bilheteria que estava realizando este serviço. Depois de tudo que já se passara aquele dia, optei pela precaução.

Alex Lifeson (guitarra), Neil Peart (bateria) e Geedy Lee (baixo e vocal)
- Só acredito que vou ver o Rush quando estiver dentro do Morumbi, disse.

Na Estação Tatuapé, um susto. Centenas de pessoas caminhando sem parar como se estivessem sempre atrasadas. A alternativa lógica foi pedir informação para um guarda.

- Quero chegar no Morumbi. Como é que eu faço?, perguntei.

Depois de pensar por alguns segundos, o guarda me traçou um roteiro, que segundo ele, nos deixaria na porta do estádio.

- Pegue o metrô até Anhangabaú, desça e vá em direção a Rua (não lembro o nome da dita). Ai é só pegar um ônibus via Morumbi.

A orientação pareceu fácil. O porém é que antes mesmo de comprar o bilhete do metrô, já havia esquecido o nome da rua dita pelo guarda. Pensei que o mais lógico seria chegar até lá e partir para um novo recomeço. Em Anhangabaú decidiríamos como continuar o trajeto até o Morumbi.

Por instinto, tão logo descemos na estação, achei conveniente seguir a multidão. Não demorou para o Tiago me perguntar:

- Tu sabe pra onde a gente ta indo.

- Não, mas já vamos descobrir, respondi.

Quando chegamos à saída, a sorte pareceu, enfim, sorrir para nós. Avistamos uma camiseta do Rush. O ser que a vestia conversava com um taxista. Corremos para não perde-lo de vista. O homem da camiseta do Rush, aparentemente desistiu do táxi e começou a descer por outro caminho. Contornamos a saída o mais rápido possível e gritamos:

- Ei, ei, do RUSH.

O homem e a camiseta do Rush parou. Virou para nós e ao ver que eu também vestia uma camiseta da banda, se mostrou convidativo. Após um diálogo rápido, resolvemos os três tentar o táxi novamente. Por R$ 30 reais, em média, seria  possível chegar ao estádio. Sem hesitar, entramos no táxi e rumamos para, aquela que imaginamos ser, última parte da maratona.

Vinha do Pará o homem da camiseta do Rush. Disse que iria tentar comprar ingresso na hora, pois havia tomado à decisão de ver a banda na véspera. Aproveitou que estaria em São Paulo a trabalho para ver o show. O trajeto Anhangabaú até o Morumbi, demorou outros longos 30 minutos e serviu para uma reafirmação: São Paulo é muito maior do que se imagina.


O Estádio do Morumbi para quem o visita pela primeira vez transparece ser um colosso. Localizado em uma baixada, as bilheterias ficam localizadas em ruas íngremes nas duas laterais. Para meu azar, o lado em que ficamos não era onde deveria retirar meu ingresso. Tive de fazer todo o contorno.

Não consegui esconder a ansiedade. Havia esperado anos para ver o Rush ao vivo e mesmo assim, depois de todo o parto que fora chegar até ali, precisava colocar as mãos no ingresso e principalmente, adentrar na pista do estádio para enfim, respirar aliviado e poder aproveitar cada segundo deste que considerava o show de toda vida.

O dia que vi o Rush – Parte 1 [a chuva e o atraso]

Sair de Porto Alegre pela manhã para assistir ao show a noite. Eis o objetivo


Quando amanheceu em Porto Alegre naquela sexta-feira, 8 de outubro, chovia. Nem bem saltei do colchão, olhei com ar de incredulidade pela veneziana da cozinha afim, tão somente, de constatar com que intensidade a água se derramava dos céus.

Pela primeira vez, temi o pior.

Dentro em pouco rumaria para o Aeroporto Salgado Filho a fim de embarcar para São Paulo e a noite, depois de tantos anos de espera assistir a um show do Rush.

Em 2010, o trio canadense fez sua segunda passagem pelo Brasil. A primeira em 2002, rendeu um DVD gravado no Rio.

Aquela altura de manhã, sem mesmo ter lavado o rosto depois de uma longa noite em que mais tentei dormir do que o contrário, não interessava se minha chegada em São Paulo fosse atrasar. O que me angustiava era a possibilidade de encontrar o aeroporto, em Porto Alegre, fechado para pousos e decolagens ou, ainda, ter de engolir em seco uma notícia trágica, como a do cancelamento do meu voo.

Em vão, tentei não alimentar esta possibilidade.

A chuva continuava a cair e eu precisava dar um jeito de chegar ao aeroporto sem estar encharcado, uma vez, a ideia era levar o mínimo possível de roupas e acessórios, ir direto para o Morumbi e só pensar em descanso depois que Geedy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart deixassem em definitivo o palco àquela noite.

Sem opção, tive de arrumar um lugar para um guarda-chuva na minha pequena e básica mochila. A chuva ainda caia, mas com menos intensidade. Em cinco minutos e já na parada de ônibus torcia para que o voo não tivesse maiores atrasos. Não conseguia desligar a ideia de que algum evento aquém minha vontade pudesse impedir a realização do sonho de ver o Rush em ação.

Os minutos que se sucederam foram os mais longos possíveis. Já sem chuva, atravessei a parada de ônibus em frente ao Pepsi on Stage até o hangar superior do aeroporto, ciente que o guarda-chuva que trazia na mochila não seria mais usado até meu retorno à Porto Alegre.

Esbocei um sorriso, afinal, em poucas horas estaria na pista do Morumbi vendo a banda que mais amo no mundo. Encontrar outras pessoas com camisetas do Rush indo de lado à outro do saguão de check in não foi tarefa das mais difíceis. A impressão que tive foi de que todos os fãs do Rush do Rio Grande do Sul estavam ali.

Chegado o meu momento de fazer o check in tive a primeira confirmação de que o dia seria longo e realizar este sonho, particularmente, algo para se contar por gerações. A aeronave que faria o voo, Porto Alegre/São Paulo encontrava-se, a menos de 40 minutos do horário previsto para a decolagem no Aeroporto de Guarulhos aguardando liberação para vir até Porto Alegre e só então realizar a viagem. A previsão otimista da atendente da companhia aérea era de um atraso de aproximadamente 1h30min. Na melhor das hipóteses, chegaria em São Paulo perto de 14h, duas horas depois de esperado.

Como não sou dotado de poderes especiais, muito menos tenho a fórmula para me transportar de um lugar para outro pelo poder infinito de minha mente, tive, a contragosto, de esperar. Em pouco, a hora e meia anunciada pela atendente se transformou em duas e logo em TRÊS longas horas de atraso. As 13h quando já era para estar em solo paulista ainda aguardava a liberação para embarque, fato que só aconteceu, quase uma hora depois.

O parceiro de show, conhecido no saguão do aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre.

Nesse meio tempo, conheci o Tiago, de Criciúma/SC, que também tinha como destino em São Paulo, o Estádio do Morumbi e o show do Rush. Conversa vai, conversa vem, resolvemos, tão logo, chegássemos a Guarulhos irmos juntos para o estádio. O motivo: gastar o mínimo de grana possível. 

8 de nov. de 2010

Paul

Paul arriscou frases em português. Deu boa noite aos "gaúchos" e ajudou no coro de "Ah, eu sou gaúcho"


Quando Paul McCartney se despediu pela última vez do público gaúcho, no final da noite do domingo, 7 de novembro, precisei de cinco minutos para respirar. Queria guardar o momento. Imortaliza-lo. Faltava pouco para a meia noite.

Sentado em uma das cadeiras do anel superior do Beira Rio, deixei-me observar a viagem dos papéis picados largados ao vento depois de encerrado o espetáculo. Sorri. A ficha ainda precisava cair: “eu assisti o show de um beatle”, pensava alto.

Ainda que nunca tenha sido um fã ardoroso dos Beatles, aprendi a apreciar e, principalmente, respeitar a obra que Paul e os demais garotos de Liverpool produziram em sua meteórica carreira. Não fosse a chance que dei para sua música, talvez não soubesse, ou mesmo tivesse dificuldade em compreender que a obra de John, Paul, George e Ringo está um patamar acima de tudo o que foi criado a partir do momento em que as sonoridades de guitarra, contrabaixo, bateria e vocal foram unidas para o bem comum.

Os quatro garotos de Liverpool, Inglaterra
que mudaram a história do Rock. Foto de 1962

 Testemunhar, in loco, em meio a uma multidão de mais de 50 mil pessoas a interpretação de canções atemporais como “The Long and Winding Road”, “Eleanor Rigby” e “Day Tripper”, por exemplo, torna auto-suficiente a constatação: Os Beatles são muito mais que uma banda de rock.

Repetir que eles foram a banda mais influente da história, depois de assistir Paul dedicar em claro e bom português, canções para os amigos John (“Here Today”) e George (“Something”, uma das melhores de todo show) é chover no molhado, e soa tão inadequado quanto tentar explicar que razões fazem com que milhares de pessoas, entre jovens recém iniciados em discos como Abbey Road ou Revolver, ou mesmo senhores e senhoras acima dos 50 anos enfrentem o calor e o sol de meia tarde em filas mal organizadas e estafantes.

A propósito, a lógica é simples. Bastou uma primeira frase dita em português e a execução de “All My Loving” para que toda a maratona de um dia ou mais diante dos portões do Beira Rio fizesse sentido. Impossível não se emocionar com o talento e o carisma de sir Paul McCartney. Paul é único. Uma entidade da música e da arte contemporânea. Uma lenda que está viva e presenteando platéias ao redor do globo com momentos ímpares como os da noite de 7 de novembro.

O show de Paul teve mais. Teve “Ob-la-di, Ob-la-da”, pela primeira vez tocada no Brasil. Por fim, o espetáculo acabou por se transformar em uma aula de amor a vida e a música. O encontro tardio do ídolo com os fãs, hoje acima dos 50 anos. Fãs que dançaram e não tiveram vergonha em enxugar os olhos lacrimejantes quando Paul sentou ao piano para cantar “Let it be” e “Hey jude”. O show deste 7 de novembro é também o sonho daqueles que aprenderam desde o berço, ou mesmo, foram concebidos ao som de um dos inúmeros sucessos criados pelo grupo. O show, como não poderia deixar de ser, é uma explosão de sentidos, como em “Live and let die”. Um clássico, um hino, uma obra de arte. Uma música que somada a outras como “Blackbird”, “Band on the run” e “Helter Skelter” me fez pensar:

- Será que algum dia verei um show maior que esse.

Difícil, muito difícil.   



3 de nov. de 2010

O novo herói brasileiro

[Tropa de Elite 2 estreiou nos cinemas brasileiros em 8/out.
Atualmente esta sendo exibido em 710 salas em todo país]


Capitão Nascimento é o tipo de personagem com perfil para se tornar herói e referência para o imaginário do povo brasileiro. Tem a cara do Brasil. Fala a língua do típico cidadão classe média e parece conhecer as muitas facetas podres da segurança pública do país. Na recém lançada segunda parte de Tropa de Elite, Nascimento sai da zona de frente do confronto armado com o tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro para assumir cargo no governo carioca. Ao infiltrar-se no seio da Secretaria de Segurança Pública fluminense é catapultado a reconhecer as feridas da estrutura política governamental e em pouco menos de duas horas de projeção, ajuda a personificar uma triste, porém, cruel realidade.

Embora de cunho ficcional, a obra flerta com o que acontece rotineiramente nas periferias das grandes cidades, em especial da capital carioca e transmite muito mais autenticidade, por exemplo, que a cinebiografia do – quase – ex – Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, que não obstante, foi a escolhida para a disputa do Oscar. Em resumo, é menos forçado que o filme de Lula. Tropa de Elite (1 e 2) mostra um segmento do país consumido pela desigualdade social e pela esparsa distribuição de renda. Um país carente em seguridade pública. Imberbe na sagaz lógica do comércio ilegal de entorpecentes.

Os filmes (Tropa 1 e 2), se avaliados em continuidade, abordam temas pontuais da situação da polícia nas grandes metrópoles. Sem rodeios, como um abrir de cortinas. Na cara. O desvelar da violência urbana. Se por um lado retrata de forma impactante o descaso com quê as polícias são tratadas pelo Estado: falta de estrutura, baixa remuneração, excesso de violência no treinamento de novos profissionais; por outro, expõe sorrateiramente como funciona os meandros do sistema de segurança pública no país.

A impressão em dado momento de Tropa de Elite 2 é de um chute no estômago. Será que somos tão omissos em relação ao que acontece por detrás do sistema de segurança no País? O novo herói brasileiro, Capitão Nascimento, não demora a deixar de lado a condição de agente do estado para se transformar em vítima do sistema que por tantos anos defendeu a ferro e fogo. Em tempo, torna-se a personificação do ódio de quem teve a vida modificada pela violência. No caso do capitão, a situação é ainda mais aterradora, pois andou pelas duas extremidades. É humano e por isso cativante.

Nascimento é brasileiro.

[O ator Wagner Moura retoma o personagem mais marcante de sua carreira na sequência de Tropa de Elite]

Em entrevista publicada na edição de setembro de 2010 da versão brasileira da Revista Rolling Stone, o cineasta José Padilha, diretor do maior fenômeno pop brasileiro da década, resume a obra que criou:

Os dois filmes, juntos, dizem: a violência urbana é alta porque fazemos isso a nós mesmos”.

É isso mesmo. Somos tão passivos que não nos damos conta do quanto contribuímos para a propagação da criminalidade, do tráfico de drogas e da corrupção do sistema prisional como um todo. Por fim, somos tão culpados quanto os políticos corruptos estereotipados no filme. O porém é que não percebemos, onde está a raiz do problema e mesmo que soubéssemos dificilmente teríamos condições de operar uma mudança capaz de modificar radicalmente o sistema. Há uma lógica de funcionamento aquém nossa vil vontade de viver em um mundo melhor e mais igualitário. 

De novo Padilha: 

“O filme não foca na microrrelação entre o policial e o criminoso, seja no ônibus, seja na favela. Ele foca a Secretaria de Segurança Pública, onde está a verdadeira origem do problema”

A título de curiosidade, três dias depois de chegar as salas de cinema País afora, Tropa de Elite 2 já havia sido assistido por mais de 1 milhão de espectadores, um recorde absoluto, que continuou a subir. Um filme que merece ser visto e revisto e pautado como referência para, no mínimo, a reformulação do sistema carcerário brasileiro.

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Texto originalmente publicado na edição impressa do Jornal Classe A de 23 de outubro de 2010

2 de nov. de 2010

Compromissos em excesso

Receio pelo número abusivo de compromissos firmado pela recém eleita presidente, Dilma Roussef, durante a campanha eleitoral que a consagrou como a primeira mulher a ocupar – a partir de janeiro próximo – o cargo máximo da democracia brasileira.

A cada nova oportunidade, seja nos improdutivos debates na televisão ou em esguias e supérfluas entrevistas concedidas para a imprensa, à candidata petista aparecia com um novo “compromisso” com o povo e o país. Para qualquer que fosse o tema, Dilma notadamente, em algum momento de sua fala, aparecia com algo do tipo: “tenho o compromisso de”, ou, “este é meu compromisso...”. 

Dilma Roussef tem "documento de compromissos" com país
Convenhamos, não precisava exagerar tanto em firmar novos compromissos. Ainda que eleita presidente, Dilma não tem super poderes e não é, e nunca vai ser, igual ou semelhante à Lula. Não havia necessidade alguma, portanto, de se tentar através do firmamento de tantos compromissos, seja com saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, erradicação da pobreza, entre outros, demonstrar ter capacidade para solucionar os problemas do país.

A propósito, não é preciso ser dotado de muita inteligência para se saber que a nova presidente não vai resolver os problemas, sejam eles emergências ou não, do Brasil de uma só vez, ou num estalar de dedos. Terá, sim, de trabalhar para fazer jus a popularidade conquistada na rabeira de seu antecessor e criador.

Parafraseando o escrito pelo articulista do jornal A TARDE, Samuel Celestino: o discurso inaugural depois de eleita de Dilma é um “documento de compromissos” para com a nação, e com importância inquestionável. O que preocupa, tão somente, são os excessos e o quanto essa mania em firmar compromissos pode afetar o modus operandi do futuro governo de Dilma Roussef

Janeiro não tarda.


FHC na Folha: O Brasil deu um cheque em branco para Dilma

"Nós não sabemos não só o que ela [Dilma] pensa,
mas como ela faz"

Vale a pena ler a entrevista publicada hoje, dia de finados, na versão online do jornal Folha de São Paulo com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

Aparentando descontentamento com os rumos de seu partido, o PSDB, FHC diz não estar mais disposto a endossar um partido que “não defende sua história”.

Ainda que não demonstre, as claras, ter ficado insatisfeito com a candidatura e campanha de José Serra à presidência, FHC é taxativo em afirmar:

 “O PSDB também não pode ficar enrolando até o final para saber se é A, B, C ou D. Dentro de dois anos temos de decidir quem é e esse é tem de ser de todo mundo, tem de ser coletivo”.

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Leia na íntegra a entrevista de Fernando Henrique à Folha.