11 de nov. de 2010

A caçadora

Lembro de ela ter entrado no escritório vestindo uma saia minúscula. Daquelas feitas sob medida para deixar um homem com a pulga atrás da orelha, em estado de alerta e com o instinto animal atiçado. Ela remexia o quadril como se sussurrasse: “estou te provocando, não percebe”. Aliás, era isso que ela queria. Provocar um ataque desmedido, e, se consumado àquela hora da tarde, em pleno horário de expediente e sob risco de ser presenciado por quem quer que se atravesse a passar diante da única janela da minúscula sala comercial em que trabalhava, no mínimo me custaria o emprego.

Ela exalava malícia e sabia exatamente o que queria. Sentada a minha frente, fez questão de deixar as pernas torneadas e pinceladas com a cor do pecado, a mostra. Falou quase miando, como uma gata selvagem.

- Oi, estou sem calcinha hoje.

Aquela não fora a primeira, muito menos a última vez, em que ela demonstrou suas intenções carnais para comigo. Ela era uma caçadora. Felina, habilidosa e, principalmente, decidida. E justamente por isso, eu sabia que ela iria continuar e continuar e continuar. Foi assim durante meses. Saias minúsculas, telefonemas, até faxes com propostas indecentes. Ela usou de todas as ferramentas possíveis e, talvez, imagináveis para o período, uma vez, naqueles dias não termos nenhum, nem outro, e-mail ou celulares para mensagens instantâneas.

Até chorar ela chorou. Publicamente, diga-se.

No entanto, e por algum motivo, por mais que ela insistisse menos vontade em ceder eu tinha. Havia se tornando fácil demais. Eu simplesmente não queria. Estava decidido e nada nem ninguém seria capaz de me fazer mudar de ideia. Nem mesmo ela sentar diante de mim com uma micro saia miando estar despida das peças íntimas. Nem isso. Podia ser taxado de louco, de frouxo, o que fosse. Não importava. Ao perceber meu desinteresse, aos poucos as visitas no meio da tarde findaram os telefonemas também e as propostas recheadas de indecência idem. Por um tempo, ela sumiu. Aliás, demorou para nos vermos de novo. Alguns anos para ser mais preciso.

E quase não a vi. Tinha pressa. Foi ela quem chamou pelo nome. Estava diferente. Sem as saias minúsculas e as propostas descaradas. Havia se tornando mãe. O pequeno, inquieto, brincava perto dela. Conversamos durante horas. A caçadora, felina e decidida havia se tornando mamãe. Fiquei feliz. Rimos juntos de tudo que havia se passado, principalmente, do aprendizado de cada um em relação àquela história. Naquele dia ela me confessou que fui o único homem a dizer não para ela. A única presa que lhe fugiu por entre os dedos. Descobri, durante aquela conversa, que havia lhe feito mal. Ferido seu coração. De tanto negar suas investidas, acabei semeando um sentimento aquém o desejo e a paixão pura e simples. Ela queria algo mais que me provocar com insinuações picantes. Eu, pelo contrário, após ouvir sua tardia declaração, queria jamais ferir o coração de alguém novamente.

Depois deste reencontro, voltamos a conversar algumas vezes, mas sempre de maneira esporádica. Ela se tornou mamãe de novo e atualmente ataca de micro empresária. Encontrou a paz e parece ter desviado aquele perfil de caçadora voraz para outros fins. Continua sabendo o que quer, e o mais interessante, continua a ser uma mulher decidida. Fiquei, uma vez mais, feliz. No entanto, em uma de nossas últimas conversas, a ex-caçadora revelou ter vergonha de muitas atitudes que tivera no passado. Tentei apaziguar. Argumentei que aquilo fazia parte de uma fase de sua vida que, indiretamente, a teria auxiliado no seu crescimento e desenvolvimento como ser humano, uma espécie de ponte para a mulher que ela se tornou.

Não sei se ajudei.

Compreendo que ela tenha vontade de rasgar algumas páginas dos tempos em que tinha 18 ou 19 anos, mas sempre fui adepto da tese de que devemos aprender com os erros que cometemos e nunca nos resignarmos ao arrependimento. No fundo, todo ser humano passa por fases de provação na vida e são nestes períodos de instabilidade que construímos as bases daquilo que seremos quando, de fato, nos tornarmos adultos e maduros.

Por fim, fato é que a vida nos ensina algumas lições que só nos damos conta depois de um tempo. Particularmente, nunca saberei o que aconteceria se caso, uma única vez eu tivesse dito sim. Mulheres com o perfil de caçadoras, podem ser perigosas, mas não necessariamente devem ser subestimadas.

Nota de rodapé:
Hoje, passados mais de dez anos do dia em que ela entrou no meu, então, local de trabalho vestida com uma saia minúscula e cheia de segundas intenções, resta-me somente, aproveitar o espaço e oportunidade para enviar-lhe um singelo e cordial abraço pelo aniversário completado no domingo, 31 de outubro.

Sendo assim, feliz aniversário, caçadora!  


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Texto originalmente publicado na edição de nº 211 do Jornal Classe A e editado para postagem no blog