9 de nov. de 2010

O dia que vi o Rush – Parte 3 [enfim, o sonho realizado]

Reparem que meu ingresso contém o meu nome e RG. Para guardar mesmo.

Ingresso na mão, fomos eu e Tiago rumo ao portão de entrada. Lembrei do malfadado guarda-chuva que carregava na mochila. Passei pela primeira revista. Pela segunda. Subimos uma rampa antes da derradeira revista, esta sim, feita por policiais. Achei conveniente contar a verdade e dizer, de cara, que tinha um guarda-chuva na mochila e que pela manhã chovia em Porto Alegre.

O policial apenas pediu para ver o guarda-chuva. Disse-me que tudo bem e que somente guarda-chuvas com ponta não eram permitidos. Por fim, me desejou um bom show. Entrei no Morumbi. Nada poderia me impedir de realizar o sonho de ver os três patetas ao vivo. Nada.

Quando pisei na pista, olhei para cada canto do estádio e gritei. Levantei os braços e comemorei como se tivesse conquistado o título de um esporte que não prático. As 18h estava dentro do Morumbi, sem ter gasto exorbitâncias para chegar e com um único pensamento: aproveitar ao máximo. Em 2002, não pude assistir a primeira vinda do trio ao país e oito anos depois, prever uma terceira vinda era loucura. Além do mais, por mais que um dia eles voltem, a oportunidade de ver e ouvir a banda tocar o álbum Moving Pictures (1981) na íntegra é uma só. Outra colher de chá para os fãs como esta, sabe-se lá quando. A máquina do tempo, nesse caso, só trabalha uma vez.

A capa do álbum Moving Pictures (1981), tocado na íntegra na turnê

A meta então, passou a ser encontrar um bom lugar para assistir ao show. Depois da invenção da área premium, esta tarefa ficou mais difícil, pois além de ter de chegar com enorme antecedência aos locais dos shows, é preciso ter sorte para não ser esmagado pela multidão que vem de trás, torcer para que nenhum troglodita com dois metros de altura estanque a sua frente na pista premium, impedindo, desta maneira, que você enxergue o espetáculo e, também, que nenhum segurança resolva fazer o mesmo e atrapalhar ainda mais a visão do palco.

Não demorou para que os sintomas de todo o desgaste daquele dia aflorassem. Passar três horas e meia até o início do show em pé não é uma tarefa simples para quem já passou dos 30 anos. É tanto que resolvi não mais assistir shows da pista, depois que o show terminou. Se não tiver grana para bancar o “phodão” na área vip, ou vou para as arquibancadas ou me contento com vídeos no youtube e lançamentos em DVD.

Tentando não pensar na mochila que carregava nas costas, nem no desconforto que sentia nos pés, vi o coração disparar quando as luzes se apagaram e o vídeo de abertura do show começou a rodar no telão. A qualidade do vídeo, diga-se de passagem, torna a condição de fã da banda ainda mais natural. Aliás, como é bom ser fã do Rush. Você paga para ver um show, de brinde assiste a dois vídeos impagáveis e extremo bom gosto, dois sets e cerca de 24 músicas irretocavelmente tocadas.

E mesmo, depois da internet ter facilitado a vida de todo mundo, proporcionando vídeos quase que instantâneos de qualquer show das turnês dos nossos artistas preferidos e de todos sabermos o repertório que será tocado muito antes do show, vale cada centavo estar presente in loco, fazendo parte daquilo tudo. Na primeira parte do show, por exemplo, Geedy Lee cantou como se estivesse com o mesmo poder de fogo do final da década de 1970.

Feliz da vida, com uma cerveja gelada e o ingresso do memorável show
Canções como “Presto”, “Marathon”, “Freewill” e principalmente “Subdivisions”, fizeram daquela primeira parte do show um verdadeiro arregaço. Que banda extraordinária. Como tocam, Lee, Lifeson e Peart. O fim da primeira parte, foi também o reinício do meu martírio pessoal. O cansaço aos poucos estava se tornando iminente. Esperar por mais 20 minutos até o reinício do show foi das tarefas mais angustiantes de todo dia e noite de 8 de outubro.

Na segunda parte do espetáculo, o Moving Pictures inteirinho. A começar por “Tom Sawyer”, a música que no Brasil ficou famosa devido a abertura do seriado Profissão Perigo. Antes porém, outro vídeo, tão bom quando o reproduzido na abertura do show. A execução do clássico álbum de 1981, não foi perfeita por dois pontos: a voz de Lee falhou em alguns momentos, principalmente em “Red Barcheta” e o vento empurrava o som para tudo quanto é lugar, fazendo com que, em alguns momentos, se tivesse a impressão da banda estar tocando apenas com os retornos do palco. A música mais prejudicada pela ventania foi “Vital Signs”, infelizmente, já que se trata de uma música interessante no repertório arrebatador de Moving Pictures.

Impossível deixar passar em branco, também, as duas novas canções que farão parte do próximo disco de estúdio da banda, Clockwork Angels, previsto para o ano que vem. “BU2B”, tocada na primeira parte do set e “Caravan” são dois petardos, com baixo na cara e riffs de guitarra como a muito não se ouvia em discos da banda. Sinal que vem coisa boa por aí.

Neil Peart e seu kit de bateria. 
Não bastasse apresentar um dos seus mais emblemáticos discos, o trio canadense ainda tem fôlego para desfilar alguns clássicos da década de 1970, como as primeiras duas partes da sensacional 2112” e a belíssima “Closer to the heart”. Neil Peart, o polvo responsável pelas baquetas, como sempre, é capaz de fazer cair o queixo de todos os presentes com um solo de bateria irreprensível. Pena que, a essa altura, meus dois joelhos também tenham começado a enviar sinais para meu cérebro, como se fosse meu pobre e mortal corpo dizendo: Você não tem preparo físico para agüentar tanto tempo em pé.

De fato, a parte final do show foi uma luta para me manter de pé. O torpor era inevitável. Assistia a demonstração de preciosismo do trio em cima do palco, como que satisfeito por toda a maratona que tive de passar para vê-los, mas ciente que não tenho mais pique para suportar tanto desgaste para tentar ver um show. Vale a pena, pelo clima, por fazer parte de toda aquela história, e porque por pelo menos dois dias, os pés, as costas e o pescoço vão te lembrar que você resolveu ultrapassar os teus próprios limites para assistir a um show de rock.

Bom, possivelmente seja o único a considerar a escolha de La Vila Strangiatto para abertura do bis com um equívoco. A música é linda, e por ser instrumental, dá uma trégua pro gogó do Geedy, mas para quem teve o dia do cão que eu tive, ela não foi a melhor opção para aquele fim de show, diferente de “Working Man”, que embora tenha sido tocada numa versão diferente, sem o destruidor riff de abertura, mostrou para quem quer que fosse que no palco, dificilmente, uma banda é melhor e mais certeira que o Rush. Uma pena que, a esta altura, eu já estivesse tão destruído.

Antes do apagar geral das luzes, um terceiro vídeo foi apresentado nos telões. Pelo que soube, trata-se de um extra do filme “Eu te amo, cara”, o qual ainda não consegui assistir. Para fãs do Rush é essencial, para quem não conhece, vale como incentivo para tentar entender o porque do Rush ser a banda que é, com fãs tão especiais e diferenciados.


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