3 de nov. de 2010

O novo herói brasileiro

[Tropa de Elite 2 estreiou nos cinemas brasileiros em 8/out.
Atualmente esta sendo exibido em 710 salas em todo país]


Capitão Nascimento é o tipo de personagem com perfil para se tornar herói e referência para o imaginário do povo brasileiro. Tem a cara do Brasil. Fala a língua do típico cidadão classe média e parece conhecer as muitas facetas podres da segurança pública do país. Na recém lançada segunda parte de Tropa de Elite, Nascimento sai da zona de frente do confronto armado com o tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro para assumir cargo no governo carioca. Ao infiltrar-se no seio da Secretaria de Segurança Pública fluminense é catapultado a reconhecer as feridas da estrutura política governamental e em pouco menos de duas horas de projeção, ajuda a personificar uma triste, porém, cruel realidade.

Embora de cunho ficcional, a obra flerta com o que acontece rotineiramente nas periferias das grandes cidades, em especial da capital carioca e transmite muito mais autenticidade, por exemplo, que a cinebiografia do – quase – ex – Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, que não obstante, foi a escolhida para a disputa do Oscar. Em resumo, é menos forçado que o filme de Lula. Tropa de Elite (1 e 2) mostra um segmento do país consumido pela desigualdade social e pela esparsa distribuição de renda. Um país carente em seguridade pública. Imberbe na sagaz lógica do comércio ilegal de entorpecentes.

Os filmes (Tropa 1 e 2), se avaliados em continuidade, abordam temas pontuais da situação da polícia nas grandes metrópoles. Sem rodeios, como um abrir de cortinas. Na cara. O desvelar da violência urbana. Se por um lado retrata de forma impactante o descaso com quê as polícias são tratadas pelo Estado: falta de estrutura, baixa remuneração, excesso de violência no treinamento de novos profissionais; por outro, expõe sorrateiramente como funciona os meandros do sistema de segurança pública no país.

A impressão em dado momento de Tropa de Elite 2 é de um chute no estômago. Será que somos tão omissos em relação ao que acontece por detrás do sistema de segurança no País? O novo herói brasileiro, Capitão Nascimento, não demora a deixar de lado a condição de agente do estado para se transformar em vítima do sistema que por tantos anos defendeu a ferro e fogo. Em tempo, torna-se a personificação do ódio de quem teve a vida modificada pela violência. No caso do capitão, a situação é ainda mais aterradora, pois andou pelas duas extremidades. É humano e por isso cativante.

Nascimento é brasileiro.

[O ator Wagner Moura retoma o personagem mais marcante de sua carreira na sequência de Tropa de Elite]

Em entrevista publicada na edição de setembro de 2010 da versão brasileira da Revista Rolling Stone, o cineasta José Padilha, diretor do maior fenômeno pop brasileiro da década, resume a obra que criou:

Os dois filmes, juntos, dizem: a violência urbana é alta porque fazemos isso a nós mesmos”.

É isso mesmo. Somos tão passivos que não nos damos conta do quanto contribuímos para a propagação da criminalidade, do tráfico de drogas e da corrupção do sistema prisional como um todo. Por fim, somos tão culpados quanto os políticos corruptos estereotipados no filme. O porém é que não percebemos, onde está a raiz do problema e mesmo que soubéssemos dificilmente teríamos condições de operar uma mudança capaz de modificar radicalmente o sistema. Há uma lógica de funcionamento aquém nossa vil vontade de viver em um mundo melhor e mais igualitário. 

De novo Padilha: 

“O filme não foca na microrrelação entre o policial e o criminoso, seja no ônibus, seja na favela. Ele foca a Secretaria de Segurança Pública, onde está a verdadeira origem do problema”

A título de curiosidade, três dias depois de chegar as salas de cinema País afora, Tropa de Elite 2 já havia sido assistido por mais de 1 milhão de espectadores, um recorde absoluto, que continuou a subir. Um filme que merece ser visto e revisto e pautado como referência para, no mínimo, a reformulação do sistema carcerário brasileiro.

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Texto originalmente publicado na edição impressa do Jornal Classe A de 23 de outubro de 2010

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