23 de ago. de 2010

Milagreiros de paletó e gravata




Escrever sobre política é incorrer em via espinhosa. Até mesmo os mais tolhidos no tema em algumas ocasiões acabam por tergiversar ao invés de proferir análise apurada dos fatos e personagens que fazem a política de uma localidade. Talvez, pelo fato de na maioria das vezes, a política nestes conglomerados ser feita à custa da falta de informação, ou mesmo, a partir de informações desencontradas que desenham como santos os representantes do povo.  A verdade é que não são. Vereadores e prefeito não são santos, muito menos entidades divinas. São homens e mulheres como todos outros, com os mesmos defeitos e manias. 

Lógica semelhante vale para tratar de deputados, senadores, e claro, do presidente da república. A pseudo superioridade que, em tese, o cargo lhes confere não é condicionante para comparações extraterrenas, ou mesmo para avaliações superficiais. Tanto cá como em qualquer outro lugar, a palavra de ordem é – e sempre será – uma só: democracia. Difícil escapar um pronunciamento em que este substantivo feminino não esteja sorrateiramente enfiado. Faz parte da cartilha. A beatificação não. Se por um lado, político usa paletó, gravata e caneta importada, por outro, não tem asas, nem cabelos loiros cacheados. Fala em democracia. Não faz milagres.

Infelizmente, os políticos ainda são considerados milagreiros. Pois, para muitos Joãos e Marias Brasil a fora, oferecer migalhas e falar bonito é motivo mais que suficiente para subserviência e endeusamento. O modelo clássico de fazer política no país não favorece a reflexão. Fato. Quase sem querer, prefere-se a ignorância à possibilidade de participação efetiva nos mandos e desmandos da governabilidade. Exalta-se a ingenuidade, a imaturidade, a alienação. 

Às vezes, mesmo havendo interesse, não se sabe como se tornar mais atuante no processo político sem dar a entender que no fundo existe um interesse a curto ou médio prazo, afinal, eleições acontecem de tempos em tempos e sempre há a necessidade de se eleger novos representantes. 

Pausa. Play. 

Em se tratando dos dias atuais, não basta observar com desdém o que se passa entre os que usam paletó e gravata e têm em canetas de alto valor sua principal ferramenta de trabalho. Alienar-se politicamente é como acreditar nos milagrosos pronunciamentos de véspera de eleição. É tão incestuoso quanto crer na divindade de quem governa. E para tal, não se pode esquecer, existe uma tênue, porém real linha, entre o endeusamento político e o poder que o cargo público proporciona. 

A fuga do tema pode, a bem da verdade, ser o reflexo de várias tangentes, para bem ou para mal, e acometer, tanto aqueles que têm influência para opinar, oralmente ou de forma escrita, como também, a sociedade como um todo, uma vez a discussão pacífica de ideias ser a forma, embora ancestral, mais saudável para o desenvolvimento in natura de uma sociedade. Opinião e política são elementares na engenharia social de uma comunidade, e por esta razão, indispensáveis para o crescimento e a tomada das decisões que haverão de se eternizar na legislação municipal, estadual ou federal. 

Assim sendo, a reflexão, por mais duvidosa que possa transparecer, é necessária para que haja, por fim, um pingo de entendimento e análise sobre o contexto político em volta. Além do mais, somos seres políticos e parte de uma engrenagem determinante para o futuro e destino coletivo. Por isso, esgueirar-se sob a prerrogativa de nivelar a todos ocupantes de cargos eletivos como sendo, farinha do mesmo saco, além de incorrer em uma das máximas mais abobalhadas do senso comum é eximir-se do direito clássico e natural do exercício da democracia. Ela mesma, tão em evidência, desde sempre entre os políticos daqui e os de lá. Viva este substantivo feminino determinante para a governabilidade de um povo.

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Texto originalmente publicado na edição nº 193 do Jornal Classe A


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