27 de nov. de 2008

O menino na era da inclusão digital


[Visão aérea do Loteamento Santo Antônio, em Barreiras/BA. Duas igrejas evangélicas, um ou outro mercadinho e vários quilometros distante da sede do munícipio]


Abertura: Sobre o menino e o computador


Resolvi publicar. Simplesmente assim, do nada. Um lampejo de vontade comichando o cerebelo. Primeiro, foi a Giovanna se rasgando em elogios pelo meu jeito de escrever. Depois, uma me diz que estou trabalhando demais e outra que meu blog é legal e que é fã do dito cujo. Fiquei tri feliz. Por isso resolvi postar esse material. E mais: o texto vai na integra. É fruto de um trabalho jornalístico realizado há poucas semanas na cidade de Barreiras, oeste da Bahia.

Dos que leram o bendito, teve quem discordasse do último parágrafo e me pedisse para refaze-lo. Porém, teimoso que sou, mantive o original. Se interessar, publico a posteriori o parágrafo substituto, mas que não até o momento não serviu para absolutamente nada.

Ah, e tem o título. Sim, esse me causou insônia e até pesadelos. Optei pelo último embora não tenha sido o considerado como o mais bacana. Divertam-se, e havendo discordâncias, criticas e/ou sugestões, não se acanhem em me procurar.



---



O menino na era da inclusão digital

Crianças brincam no meio de uma rua estreita. A movimentação de veículos praticamente inexiste. Uma ou outra motocicleta movimenta-se em ziguezague para desviar dos buracos pelo chão. Diante do mercadinho um homem de meia idade conversa pelo celular. O portão da casa de esquina está entreaberto. No interior, uma jovem de 26 anos segura uma criança no colo enquanto um grupo de meninos entre 5 e 8 anos conversa alto em frente ao computador.

Breno pode ser considerado um menino privilegiado. Quando não precisa ir à escola ele e os amiguinhos da vizinhança gastam boa parte das tardes mexendo na máquina. Descalços e sem camisa os garotos acompanham cada clique com atenção. Parecem aguardar o momento de sentar diante da tela para brincar. “Eles não gostam de jogar bola” observa a mãe de Breno, Marlise Souza Silva, 26, sentada no braço de um sofá de dois lugares na sala da casa onde mora com o marido e os filhos, no Loteamento Santo Antônio em Barreiras.

O computador parece ser o único existente no bairro. “Eu pelo menos nunca vi outro por aqui” salienta Marlise em tom de pouca intimidade com a máquina. A condição de exclusividade garante localização de destaque para o aparelho na sala. Ele divide espaço com outros artefatos tecnológicos como televisão e DVD. O fato de não possuir conexão com a internet pouco influi no fascínio que exerce sobre Breno e os amiguinhos. Nessas horas o mundo do lado de fora demonstra ter pouca ou nenhuma importância para eles.

Breno usa o mouse com rapidez. Acessa as pastas com agilidade. Pergunto como aprendeu a mexer no computador. Encabulado o menino deixa escapar um sorriso antes de responder. “Com meu pai e meu tio”. Na escola em que ele e os outros garotos estudam não há aulas de informática. O contato com o mundo digital resume-se aos “cliques” esporádicos das tardes sem aula ou quando o pai ou o tio não estão diante do computador. E ai vale contar com a boa vontade dos mais velhos para ensinar alguns truques novos.

De dúvida a parceira
Como a maioria das crianças do Santo Antônio, Breno precisa se deslocar até a Vila Amorim para estudar. Há dois anos, o local utilizado como sala de aula foi parcialmente destruído pela população. Atualmente, o cenário é de abandono. Nas laterais do terreno baldio a vegetação cresce de forma desordenada. O lixo se espalha com rapidez A base cimentada onde localizava-se a escola permanece lá, junto de uma cruz de madeira com mais de um metro e meio de altura.

Quem esclarece é o pastor evangélico George Santiago. Ele confirma que a demolição da escola está ligada à chegada da igreja no bairro. “Na época realizamos um grande evento naquele local, com diversas atividades sociais para benefício da comunidade. Foi um dia especial. Infelizmente na semana seguinte demoliram a escola” relembra o pastor.

O receio dos moradores, segundo ele, era de a evangelização tomar conta do local em que se localizava a escola. Passados dois anos, a atual sede da igreja ministrada por George serve de posto de vacinação nos períodos de campanha. A antes duvidosa inserção religiosa ganhou contorno de parceria com a comunidade local.


Quando a noite cai
A máquina fotográfica chama atenção. Todos querem fazer parte do registro. Breno está entre eles. Sorridente, toma a iniciativa. “Vocês fazem fotos de animais?”. A pergunta por mais estranha que pareça confirma o senso de curiosidade comum na idade dele. “Sim, às vezes fazemos fotos de animais”. Os olhos do menino brilham. Vivaz, ele logo se volta para os amiguinhos e continua brincando.

É noite de quarta-feira no Loteamento Santo Antônio. A pequena sede da igreja está cheia de crianças como Breno. O culto, como de praxe nesse dia da semana, foi inteiramente dedicado a elas. É noite de caldo na igreja. Oportunidade em que muitos dos pequeninos garantem a refeição do dia e munidos de pequenas vasilhas ainda conseguem um pouco para o restante da família.

Do lado de fora, a linha de ônibus que serve a comunidade faz a última parada da noite. A voz dos moradores sentados na calçada de suas casas se confunde com o barulho dos televisores ligados do lado de dentro. Sem maiores sobressaltos, a tecnologia que se realiza no interior das casas seguirá seu curso, fazendo novos usuários aqui e acolá.

O mundo vai continuar a girar mesmo que as oportunidades não sejam as mesmas para todos. Os moradores do Santo Antônio irão para suas camas, cientes de onde estão embora muitos ali, desconheçam o quão rápido a era digital avança e o quanto esse progresso pode influenciar suas vidas. Quem se importa? A rotina de Breno, pelo menos para o dia seguinte, está garantida.



[Breno e os amiguinhos do bairro em frente o computador]



[Concentração em cada novo clique]

Um comentário:

Unknown disse...

Interessante o texto. Conseguiste fazer um relato sem fazer qualquer espécie de crítica à péssima situação do loteamento. É por isso que eu gosto do teu texto, jornalista relata, não faz análise.
Parabéns.