Desde a última quinta-feira, 12, meu poder de concentração sumiu. A fragmentada notícia recebida por telefone, transformou aquela noite e os dias sequentes em um martírio e uma incerteza sem fim. Tanto que acumulei tentativas frustradas de escrever. Telas e mais telas em branco. O vazio. A saber, planejava rabiscar essas linhas acerca do complexo e delicado caso dos trailers da Praça Sergio Alvim Motta, mas deparei-me com uma situação tão avassaladora e íntima que me vi com a inspiração ceifada.
Todo ser humano por mais casca grossa que tente transparecer, mais dia menos dia se verá em vias de perder um ente querido. Creio por pura e completa suposição, que as perdas repentinas sejam as mais cruéis. E não me resta nada além de solidarizar-me com a dor destas pessoas. Nessa hora, enquanto as engrenagens desse sistema aniquilador de vidas segue sua marcha, penso no rombo no coração de um pai e mãe que perdem o filho querido em um acidente de trânsito, quiçá, causado por embriaguez. Atropelamento, bala perdida, uma doença rara e com mínimas chances de cura. Pessoas as quais não é conferido um tempo, por menor que seja para dizer o quanto se preza e ama aquele que vai.
E mais: penso em tantos desaparecimentos repentinos e, a luz da emoção, tidos como injustos que me faltam argumentos e talvez força para externar o que, de fato, gostaria com este artigo. Durante esses dias de aflição e angústia, sentado ao lado do leito de minha querida mãe, ao passo que procurava alguma migalha de esperança no fim do túnel, via com olhos de pesar o que é – e em que se tornara – o bicho homem.
Em alguns momentos me perguntava: por onde anda o amor? Em cada quarto do hospital era – e é – possível perceber a aflição de homens e mulheres abandonados pelos seus. Dependentes da boa vontade de seres abençoados e gratuitamente amorosos. Voluntários. Pessoas travestidas como anjos. Dotadas de uma capacidade sobrenatural de energizar positivamente qualquer ambiente, por mais funesto que pareça. Mas no fim das contas, ainda pouco ante a avalanche de mazelas sofridas pelo homem.
Enquanto admirava o incrível dom desses anjos, sentia-me impotente. Como nunca antes em toda minha vida. Em tempo e com vontade de arrancar o câncer que se alastra pelo corpo de minha mãe. Com vontade de chorar de tanto amar. Por saber que amanhã tudo pode se resumir a lembranças. Por saber que mãe só existe uma e dela devemos cuidar e zelar todos os dias. Até o último.
Mas no fundo o que mais me angustia é saber que sou culpado direto por esse mundo estar do jeito que esta. Não só eu, como cada um de nós. Cúmplices de um sistema violento e que não poupa ninguém. Um mundo doente refletido no corpo de milhares de homens, mulheres e crianças espalhadas pelo globo. Um mundo que exige trabalho, esforço e dedicação integrais.
Um mundo que mata, mas ainda respira. E aqui e acolá reflete o desejo de paz de cada um de nós. Mesmo que esse ande escondido ou esquecido. O desejo de correr em campo aberto com os braços estendidos. Ir de encontro ao mar e gritar em nome da liberdade e da vida. Adentrar o salão de festas para encontrar a mulher mais linda de todas e a convidar para dançar. Somente para depois do último acorde e do último passo, olhar-lhe nos olhos dizer-lhe com o coração: eu te amo mãe querida.
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Artigo publicado para a coluna "Ponto de Vista" do Jornal Classe A de Luis Eduardo Magalhães/BA, Edição nº128 de 21 de março
Artigo publicado para a coluna "Ponto de Vista" do Jornal Classe A de Luis Eduardo Magalhães/BA, Edição nº128 de 21 de março
3 comentários:
Este é com certeza o texto mais lindo que já li em toda a minha vida!
Posso dizer que sei que estas palvras são sinceras, especiais e que sairam da alma.
Lindo texto.
Realmente a dor repentina, a tristeza da perda, é avassaladora.
Há menos de um mes, meus melhores amigos, um casal de 22 e 21 anos em um acidente de transito voltando da praia.
6:30 da manhã, foram atingidos por um carro que vinha da outra pista.
Mas Parabéns, e há tempos não conversamos não é.
Como andam as coisas por ai.
Sumiu do blog, ele tá atualizado, passa lá.
Beijos e saudades de bater papo contigo.
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