4 de dez. de 2008

O forró e eu


Quando na adolescência meu sentimento com relação ao forró era de repulsa. Não podia ouvir falar no tal ritmo. Alguém dizia: Forró e pronto. Sentia um tsunami de desprezo avançar pelos meus poros. Sofria de uma aversão completa a tudo que tivesse relação com o ritmo nordestino. Passar alguns segundos que fosse tendo meus sensíveis ouvidos prisioneiro de alguma de suas melodias me dava ânsia. Por pouco não ultrapassei a tênue linha entre o nojo e o ódio.

Certa vez, em viagem para o sul do país, fui vitima de três forrozeiros. Um grupo. Um exército sádico e mestre na arte da tortura. Na poltrona em frente a minha no ônibus, o trio passou dois dias quase ininterruptos ouvindo as bandas de maior renome do gênero. Eles e o ônibus todo. E cantavam e riam. Quase morri de desgosto. Pela janela, olhava a paisagem com pesar. Tinha vontade de gritar, de implorar para que parassem com aquele tormento. Nada poderia ser mais desagradável. Nada.

Entretanto, o desprezo murchou. É verdade. Diluiu-se como aspirina em coca-cola. Tive vontade de dançar. Porque não, ora, pois, eu dizia. É só uma dancinha. Nada que vá corromper um cara acostumado com os gritos de Pato Donald de Brian Jhonson ou com a marcação pulsante do contra baixo de Steve Harris. O porém, era como dançar, assim, de repente. Como num passe de mágica. Estalar os dedos e começar a mexericar a cintura freneticamente, conduzindo a dama de um lado a outro como se nada acontecesse à nossa volta. Dois passinhos pra cá, dois pra lá. Tão fácil.

Precisava de alguém que me ensinasse. Mas por mais que precisasse de uma professora, ainda assim, tinha receio e uma certa vergonha em assumir: Quero aprender a dançar forró. Fiz-me de desentendido: Eu, dançar forró. Não, não, quem sabe um dia. Mas o destino me levava a lugares onde o forró era o ritmo reinante. Ou dançava, ou chupava o dedo. Havia noites que observava os casais a bailar. A primeira vez que senti um dedinho de inveja, pensei: Meu deus, o que está havendo comigo. Não sabia se chorava ou se pedia para a primeira fêmea a minha volta:

- Pelamor de Deus, me ensine a dançar esse troço.

A minha felicidade foi geral quando pela primeira vez me disseram:

-Eu te ensino a dançar.

Meu coração se transformou numa bateria de escola de samba. Agora vai. Tinha vontade de pular, uma, duas, três, dezenas de vezes. Dar soquinhos no ar, igual o Pelé. Não deu certo. Não conseguia. Solta esse corpo, me dizia a pobre moça tentando me ensinar. Quase aos prantos, respondia: Não dá. E assim, minha relação com o forró continuou. Amor e ódio. Era como se fosse um cachorrinho correndo atrás do próprio rabo. Nunca conseguiria dançar. Nunca. Outra guria me disse:

- Eu te ensino a dançar.

Novamente: coração escola de samba, dezenas de pulinhos. Fracasso de novo. Eu tentei. Juro que tentei. Pensei positivo. Eu consigo, eu consigo, eu consigo. Nada teve jeito. Eu suava, e tão logo falava em tom emocionado que estava conseguindo, perdia o ritmo e pisava no pezinho da minha querida e atenciosa professora. Conclui que a arte de dançar forró está fora da minha compreensão. Que infelizmente, posso estudar seus passos e tentar exaustivamente até não conseguir manter-me em pé que mesmo assim ainda serei um péssimo dançarino de forró. Que terei de olhar e olhar os outros regozijando-se de prazer indo de um lado a outro, rebolando suas bundas, naquele ritmo caliente e sensual e eu tal qual um poste apenas observando e bebericando uma cerveja gelada.

Meu problema talvez seja aptidão. Talento. Nesse caso a falta de talento para mexericar a cintura, os pés e ao mesmo tempo conversar e olhar nos olhos da parceira de dança. Será que não nasci para dançar forró. Talvez tenha de tentar outro ritmo. O tango de Gardel talvez. À Argentina e avante. Se não der certo, ao menos, terei tentado. O mínimo que vai acontecer é descobrir outras aptidões e talentos. Não saber dançar forró não é o fim do mundo. Não pode ser. Ainda há esperança. Ainda há.

Nenhum comentário: