24 de fev. de 2009

Conversa de botequim, mosquitos e um livro



A única irritação eram os mosquitos. Atrapalhavam minha leitura. Estava totalmente tomado pela narrativa de Ayaan Hirsi Ali. Devorava cada página como se precisasse terminar de ler Infiel, a qualquer custo antes que o sono me pregasse uma peça. Estava envolto em uma aura de rebuscado sentimentalismo.

Lia e afastava os mosquitos.

Então, novamente o malfadado questionamento. Assunto que tentara esquecer e parecia morto e enterrado: A ciência e a conversa de botequim. Muito mais a conversa de botequim.

Senti como se o texto que devorava fosse direcionado a minha pessoa e a mais ninguém. Já ouvira a história da conversa de botequim outrora e isso me incomodava. “O texto é bom mas parece uma conversa de botequim”. Era isso que dizia o professor anos atrás.

Agora, a subliminar mensagem que recebia parecia querer me alertar sobre os perigos de se fazer ciência. Dias antes me pediram para ter cuidado. Atolei o rosto no travesseiro duas noites seguidas pensando no tal cuidado que precisava ter. Pensei até que me haviam ceifado a liberdade.

Enquanto virava uma nova página tentava imaginar a mulher dona daquela história. Real. Fascinante. Um desafio à manutenção dos dogmas impetrados como infrações letais no seio da sociedade. Senti-me impotente ante as decisões que preciso tomar em um curto espaço de tempo.

Preciso fugir das amarras de conversa de botequim, instaurar no meu íntimo o sentimento de um pesquisador e claro, propagar aos quatro ventos: leiam o livro de Ayaan.
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Confira:
Infiel, de Ayaan Hirsi Ali
A história de uma mulher que desafiou o islã
Companhia das Letras
496 páginas

Informações da orelha do livro: AYAAN HIRSI ALI nasceu em Mogadíscio, capital da Somália em 1969. Em 1992, exilou-se na Holanda, onde foi eleita deputada, em 2003. Ameaçada de morte, foi obrigada a abandonar a Europa e vive atualmente nos Estados Unidos. Em 2005, a revista Time a incluiu entre as 100 pessoas mais influentes do mundo.

22 de fev. de 2009

Ame ou odeie

Foto: Anton Roos
Não existe meio termo quando o assunto é cigarro. Ou se ama ou se odeia. A manutenção de um posicionamento neutro em relação ao assunto é de uma insensatez tamanha, uma vez que não existem meio fumantes. Ou o sujeito fuma, ou não.

Até o final do século 19 fumar cigarro era raridade. Para se ter uma ideia, em 1880, cerca de 58% dos usuários do tabaco eram mascadores de fumo, 38% fumavam charuto ou cachimbo, 3% cheiravam rapé é apenas 1% era fumante de cigarro. Graças a James A. Bonsack inventor de uma máquina capaz de enrolar 200 cigarros por minuto, a história mudou drasticamente, com o aparecimento da industrialização.

Quase 130 anos depois, a impressão que se tem é de cumplicidade em relação ao consumo. Apesar das restrições publicitárias, a indústria continua crescente e agregando novos usuários a cada novo amanhecer. A dependência e as dificuldades em se largar o vício continuam presentes como uma ferida incicatrizável.

O médico cancerologista Drauzio Varela explica: “a nicotina é um alcalóide. Fumada é absorvida rapidamente pelos pulmões, vai para o coração e, através do sangue arterial, se espalha pelo corpo e atinge o cérebro. No sistema nervoso central, age em receptores ligados as sensações de prazer. Esses, uma vez estimulados, comunicam-se com os circuitos de neurônios responsáveis pelo comportamento associado à busca do prazer. De todas as drogas conhecidas, é a que mais dependência química provoca. Vicia mais do que o álcool, cocaína, morfina e crack. E vicia depressa: de cada dez adolescentes que experimentam o cigarro quatro vezes, seis se tornam dependentes para o resto da vida”.

A principal ameaça às tentativas em se parar de fumar estão descritas no capítulo “Por que o cigarro conquistou o mundo”, do livro “O Cigarro” escrito por Mario César Carvalho: o prazer. Talvez o argumento mais abrasivo aos amantes do consumo e único capaz de explicar e fazer entender os efeitos da dependência química. Resumidamente: o fumante regozija de prazer ao consumir a droga.

A nicotina provoca uma interação imediata com alguns neurônios do cérebro associados às sensações de prazer e de recompensa. Basicamente a cada nova tragada a uma repetição do estímulo causador do prazer. O autor explica que “se um cigarro for consumido em dez tragadas, o cérebro do fumante de um maço por dia verá esse circuito repetir-se 73 mil vezes por ano”. Logo se pergunta: que outra droga provoca 73 mil impactos de prazer num ano? Valendo-se desta conclusão é possível entender porque o equivalente a 80% dos usuários que tentam largar o vício fracassam na tentativa de abandonar o cigarro.
O sorriso no rosto de um ex-fumante não tem preço. “Estou a um mês e meio sem fumar” disse um amigo dias atrás. Imagine as conquistas desta batalha uma a uma: após 24h sem fumar, o pulmão do individuo já começa a se limpar. Ele tosse; após 2 dias, o olfato e paladar melhoram, o ex-fumante percebe cheiros e sabores com mais facilidade; em 3 semanas é a respiração que agradece e 1 ano após o último e malfadado cigarro, os riscos de morte por infarto são diminuídas pela metade.
Por mais absurdo que pareça, é possível se argumentar tanto a favor quanto contra o consumo do cigarro. A decisão de se tornar ou não um fumante é individual e por isso construída sob um alicerce extremamente subjetivo. Fumantes de fim de semana são seres indefinidos. Mais dia menos dia terão de se posicionar contra ou a favor, tornando-se consumidores do produto ou contrários a prática. As razões para tal variam de pessoa para pessoa, sendo irrelevante aponta-las neste artigo. Via de regra, prefiro por livre arbítrio a ala dos não fumantes, hoje e sempre.
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Artigo publicado para a coluna "Ponto de Vista" do Jornal Classe A de Luis Eduardo Magalhães/BA, Edição nº124 de 21 de fevereiro.

19 de fev. de 2009

Atualização

Amigos, nada demais nesse "textículo", somente atualizar as últimas publicações autorais. Se interessar, abaixo dois links de textos escritos para o Portal LEMBahia de Luis Eduardo Magalhães, município do oeste da Bahia e distante longínquos 900km da capital Salvador.
Ô dó.
No primeiro, escrevi sobre sapatos. Em suma, a importância desta indumentária para o homem. Confira lá, Os sapatos de um homem. No segundo e mais recente, uma ode ao não simpatizantes de Carnaval. Já fui um, não sou mais embora ache que tenha muitos mundão afora se mordendo de raiva com a chegada do festejo. Então, se odeia o Carnaval, e não sabe o que fazer, talvez o texto ajude.
"No mais, estou indo embora". Em breve textos inéditos. O tempo tá curto e as obrigações enormes.
Até.

16 de fev. de 2009

E Lula também

Foto: Rodrigo Vizeu (Globo Online)


Na edição 121 o título da coluna foi “Obama é pop”. Falava em linhas gerais do fenômeno Barack Obama enquanto canalizador de popularidade mundo afora. Duas semanas depois, parece óbvio afirmar que da mesma forma como o recém empossado presidente americano é pop, Lula também o é, vide os 84% de desempenho pessoal anunciados em pesquisa de opinião promovido pela CNT/Sensus e divulgada na segunda-feira, 2 de fevereiro.
Lula pode não ser o melhor presidente que o Brasil já teve, mas tem um diferencial sobre os demais: é um poço de carisma. Ele transpira carisma por onde passa. É capaz de, por intermédio da simplicidade inerente que possui, minimizar e até mesmo contornar situações delicadas.
A imprensa é categórica ao qualificar a atual crise mundial como a mais devastadora da história do capitalismo, superando inclusive a de 1929. Situação que poderia – ou deveria – influenciar na opinião da população em relação ao presidente. Não fez. A gravidade da crise é de conhecimento de todos, povão incluso, e parece óbvio que também esta camada da população entende que a culpa não é do presidente Lula. A atual crise mundial não é um fenômeno de dentro pra fora, mas de fora pra dentro. Preocupa, mas demonstra não assustar ou desabonar a estrutura de governo e a economia brasileira como um todo.
Parafraseando o saudoso Leonel Brizola, “é crise que vem de longe, muito longe, do outro lado do Rio Grande”. O presidente da Confederação Nacional dos Transportes - CNT, Clésio Andrade tendo por base os números da pesquisa afirmou: “existe uma expectativa de que a crise está passando”. Otimismo. Um comparativo da mesma pesquisa apontou um crescimento de 2,79 pontos no índice de expectativa do consumidor entre dezembro/08 e janeiro/09. O índice reflete a esperança dos entrevistados sobre emprego, renda e educação. E nesse ponto a popularidade e a quase santificação mundial em torno de Obama contribui. Todos esperam mudanças. Todos anseiam mudanças. Todos sonham com mudanças.
O mundo parece viver um momento onde a retórica é mais importante. Como um renascimento sofista, em que os grandes líderes hão de vencer mais pelas palavras que utilizam em seus pronunciamentos, que necessariamente, pela fortaleza de seus atos e medidas. “O discurso do presidente é muito forte, ele cria esperança, divide o ônus, o que é muito importante numa crise financeira” taxa Clésio Andrade, presidente da CNT. Retórica e imagem aliados. Lula faz parte do time dos bem sucedidos nessa aliança. Obama e Sarkosy também. Diferente do que fora Bush e do que são Chavez e Morales, para quem até a sombra é inimigo do estado.
Na última semana grandes fábricas Brasil afora realizaram uma série de demissões em massa. Centenas de operários ficaram a ver navios da noite para o dia. Culpa da instabilidade econômica que assola as grandes potências mundiais, onde a quebradeira é generalizada e onde se tenta tirar leite de pedra para apaziguar a crise. Na Itália e Espanha se restringe a entrada de estrangeiros, combate-se a ilegalidade dos mesmos, em prol de nacionalizar a – hoje – pouca oferta de emprego. Claro, é mais sensato privilegiar o próprio povo que manter abertas os portões da casa para estranhos.

Lula é adepto da política da boa vizinhança. Prefere o dialogo a tomada de ações precipitadas. Não pode ficar sustentado a uma pesquisa de opinião, pois se o fizesse estaria cometendo o maior erro de sua vida. Já foi vaiado em coro na abertura do Pan Americano do Rio em 2007 e mesmo assim mantém uma média estatística de 70% de aprovação ao seu governo. Claro, se vasculharmos as entranhas desses dados terá muito que se discutir. Sempre haverá os contrários a sua política por vezes deveras assistencialista, mas nesse ponto é preciso uma reflexão histórica e cultural sobre o “povo brasileiro”, algo que não cabe a esse artigo. O que se defende aqui é simples e aparentemente inegável: Obama é pop e Lula também.
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Artigo publicado para a coluna "Ponto de Vista" do Jornal Classe A de Luis Eduardo Magalhães/BA, Edição nº123 de 14 de fevereiro.

13 de fev. de 2009

Alécio e o dicionário

O dicionário que uso é enorme. Gasto e com a capa descolando das suas mais de mil páginas. Obviamente, também é pesado, como se carregasse em cada palavra ali definida o peso de todos os elefantes do mundo. Meu dicionário me lembra um colega dos tempos de colegial: o Alécio. Um tipo franzino, com poucos dentes na boca e que sempre carregava um dicionário tão pesado quanto o meu dentro da mochila.

O fato é que nunca vi o Alécio usando o tal dicionário. A propósito, durante as aulas era raro o dicionário ficar com ele. Não foram poucas as vezes que a mochila do Alécio voou janela abaixo na escola. A mochila e o dicionário. Juntos, transformados em uma arma letal caso caísse na cabeça de algum transeunte, afinal, mochila e dicionário despencavam diariamente de uma altura de três andares.

Também não recordo de ter precisado do dicionário do Alécio para sanar qualquer dúvida ortográfica ou sobre o significado de uma palavra. Nem mesmo de “nupérrimo”, como essa coluna e a edição desta semana do jornal. A bem da verdade, aquele dicionário era um objeto meramente simbólico. Mesmo destino do dicionário que uso hoje em dia: tornar-se um objeto simbólico. Suponho alias estarem ambos fadados ao ostracismo, muito embora eles (os dicionários) representem regras. De ortografia.
Pelo que consta, Monteiro Lobato foi um revolucionário da língua portuguesa. Gostava de quebrar regras ortográficas. Se ainda estivesse entre nós, pouca atenção daria ao dicionário do Alécio e ao meu. Lobato não aceitava, nos anos de 1920, uma porção de acentos utilizados em nossa língua. Roga a lenda que nos anos de 1930, um General de nome Bertold Klinger também desafiou a gramática defendendo a tese de se escrever as palavras da mesma maneira como são pronunciadas.
Ganhou fama, afinal foi autor de inúmeros volumes onde se lia “oje” (hoje), “mai” (mãe) e “ovi” (ouvir). Português chulo? Talvez, já que estes são tempos de reforma ortográfica da língua portuguesa. Mais uma, se levarmos em conta que muitos desconhecem a regrinhas básicas e apenas ensinadas nos tempos de colégio. Regras que se tornam sombras e que hoje repaginadas estão em voga unicamente pela temporalidade da medida. Conheço pessoas que nunca usaram trema na vida e não sabiam quando utilizar o para com ou sem acento.
Aos que se gabavam por conhecerem as regras e sempre coloca-las em prática, possivelmente a reforma soe como um retrocesso. Uma analfabetização talvez. Convenhamos, realmente é estranho duas palavras como linguiça (sem trema, por favor) e enguiça terem pronúncias diferentes mas possuírem a mesma forma escrita. Um dos argumentos usados para a reforma é o fortalecimento do idioma. Uma espécie de unificação dos países lusófonos, embora eles vão continuar falando “estou a escrever” enquanto nós continuaremos com o “estou escrevendo”.
O presidente da ABL – Associação Brasileira de Letras, Marcos Vilaça, engrossa o caldo dos favoráveis: “vai ser possível melhorar o intercâmbio cultural entre os países lusófonos, reduzir o custo econômico da produção de livros, facilitar a difusão bibliográfica e de novas tecnologias e ainda aproximar as nações”, explica. Concordo com o acadêmico apenas quando admite que a reforma esta longe de ser simples. O difícil vai ser convencer o dicionário do Alécio e o meu que eles são seres anacrônicos, ultrapassados, retrógrados e obsoletos. Na humilde opinião deste que vos escreve, ler Saramago continuara sendo um prazer, independente de lá se escrever “óptimo” e as tremas terem morrido.
Nota: De acordo com meu dicionário de mais de mil páginas, “nupérrimo” significa novo, recentíssimo.
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Artigo publicado para a coluna "Ponto de Vista" do Jornal Classe A de Luis Eduardo Magalhães/BA, Edição nº122 de 07 de fevereiro.

12 de fev. de 2009

O sentido da vida

Não posso negar: às vezes sou um cara por demais pretensioso. Claro, ora pois, é petulante discorrer sobre o sentido da vida, ou, no mínimo, um devaneio divagar acerca de tema tão complexo. Todavia, existem questionamentos que insistem em atormentar meus dias: Porque cargas d’água afinal somos o que somos? E qual a razão de sermos e fazermos parte de um enorme mecanismo funcional e indubitavelmente coletivo?

Confesso que não sei. Já pensei tanto sobre que a conclusão mais sensata foi atestar minha total ignorância para com o tema. Não sei e não me envergonho por isso. Também não me abstenho de um dia, quem sabe, ser acometido por uma revelação mediúnica que abrirá diante dos meus olhos o livro das revelações do sentido da existência humana na Terra. Ufa.Importa dizer que hoje não sei qual é o sentido da vida. Ao menos da minha.

Os apressados podem usar de todo e qualquer argumento tido como lógico para contestar o que escrevi nos dois primeiros parágrafos. Religião, amor, família, sexo e blá, blá, blá. Ora, essas são as que me vem à mente agora, muito embora todos tenham relação entre si e sejam passíveis de discussão. Todos. Baseio-me na singularidade de cada individuo e na pobreza natural em se afirmar que existe um único sentido para a vida seja ele baseado em que e motivado por quem.

Viver é uma experiência única para cada ser humano, sendo assim impossível eleger uma única razão para regrar a todos. Deveras simples: o que faz sentido para um pode não fazer para outro e vice-versa. Uma das razões que me faz pensar desta forma é a ruptura de valores – simbólicos ou não – do se “viver” em sociedade nos dias atuais. Somos fruto de um processo histórico irreparável, sendo a única solução para a manutenção da vida, adaptar-se para bem ou para mal as mais truculentas situações as quais somos submetidos.

É isso que fazemos e isso que continuaremos a fazer. Recomeçar e recomeçar. Pois os ciclos da vida sempre se fecham e quando acontece é preciso uma ruptura para que um novo tenha início. Não existe perfeição e é uma imprudência perseguir esse status. A vida é individual e não coletiva, embora sejamos forçados e obrigados a interagir com o todo para não cairmos em desuso.

Pouco importa o número de argumentos contrários aos descritos nesse texto. Insisto em afirmar que não há um sentido definido para a vida, somente, um conluio de tentativas para fazer com o que o ser humano acredite que possa encontrar sentido toda manhã quando precisa acordar para laborar ou a noite quando se deita para descansar. Talvez mais grosseiro que a infeliz rima da frase anterior, seja acreditar que futebol, política e religião são ciências exatas.

Aprender-se-á: para a trinca acima e para o tal sentido da vida dois e dois nunca serão quatro.

9 de fev. de 2009

Obama é "pop"

Foto: Último Segundo

Ele não é músico. Disse em entrevista a Rolling Stone Brasil ser fã de caras como Bob Dylan e Bruce Springstein. Só. Alias, não faz o tipo “pop star”. Deve mesmo estar fazendo inveja em caras como Bono Vox e Michael Jackson. Ou não. O importante é que ele hoje é o cara mais importante do mundo. Barack Obama, o 44ª Presidente dos Estados Unidos da América.

Não há ser vivo que não tenha ouvido sequer falar em Obama. Definitivamente, não há. O mundo se rendeu ao mulato, filho de pai queniano e negro e mãe branca americana do Kansas. Todos. A mídia o idolatra e as esperanças do planeta parecem todas voltadas para ele. O salvador do mundo. Não obstante, 2 milhões de pessoas assistiram in loco a posse de Obama no capitólio em Washington. E outras tantas – cerca de 37 bilhões – assistiram via televisão e internet.

Lágrimas não faltaram. Viam-se pelo tubo da televisão, brancos, negros, mulatos. Uma multidão agasalhada sob uma temperatura de 4 graus negativos, deixando a mostra pouco mais que olhos, nariz e boca. Choravam, choravam e choravam. Diferente, e muito, das groupies de conjuntos de rock ou de fãs xiitas de ídolos como Bono, líder do U2. Milhares de pessoas empoleiradas diante de telões, ou a quilômetros de distância do palanque de discurso. Sem reclamar. Pessoas desligadas de todos os problemas existentes e possíveis. Sem crise econômica. Sem desemprego. Sem raciscmo. Pura e simplesmente, depositando o que lhes resta de fé na renovação. A renovação de Barack Obama.

Esperança de uma mudança, pois assim, Obama se fez. Bradando em todos comícios de campanha ao longo de 2007 e 2008: Yes, we can. Sim, nós podemos. É o que inspira e fez com que um relé músico queniano escrevesse canção inspirada no slogan do filho mais famoso do pobre país africano. E mais, é o que motiva as pessoas a olharem para frente como se tudo não passesse de um sonho ruim e agora – e só agora, depois de 20 de janeiro – o super-herói estará lá para livrar a todos mal, amém.

Assim seja. Obama é sinônimo de carisma. A retórica é refinada e cativante. Imagino esses propensos pop stars mordendo os calcanhares ao ver o homem falar. Falar e ser ouvido. Falar e ser traduzido e ser lido. Lido e relido. Por que assim ele disse: “neste dia, nos reunimos porque escolhemos a esperança no lugar do medo, unidade de propósito no lugar de conflito e da discórdia”. Silêncio. As palmas ficam para o final. Mas não o final do primeiro de muitos discursos e/ou atos oficiais do novo grande líder mundial. Elas ficam para o final de sua história a frentes da “maior nação” do mundo.

Quando? Aguardemos. O planeta já fez de Obama “o negro”. O primeiro a liderar a toda poderosa nação americana. O que virá na seqüência? O novo queridinho do mundo dá os primeiros passos de uma trajetória que promete ser ardilosa e certamente, não fugirá daquilo por ele dito no discurso de posse: “que a cidade e o país, alarmados por um perigo comum, avancem para enfrentar”. Sorte a ele por lá, e sorte cá pelo Oeste, também aos que nos governam e intentam mudanças em prol do bem estar coletivo.

Enfim, mil vivas ao novo rei “pop”.
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Artigo publicado para a coluna "Ponto de Vista" do Jornal Classe A de Luis Eduardo Magalhães/BA, Edição nº121 de 31 de janeiro.

8 de fev. de 2009

Gaza e os números da violência no Brasil

Foto: O Globo Online


Uma das definições dos dicionários para a palavra guerra diz o seguinte: “Guerra, igual, atos de hostilidade entre pessoas ou famílias”. É o que acontece hoje em dia na faixa de Gaza, e é, justamente, o que já aconteceu em outros períodos da história da humanidade, em que o rancor, o egoísmo, o individualismo, o ódio, sobrepuseram-se ante a harmonia de se viver coletivamente manchando de forma irreversível a passagem do homem sobre a terra.

Entretanto, atos hostis não são exclusividade de uma guerra, como esta que massacra crianças visivelmente indefesas do outro lado do mundo. A hostilidade, tal qual a inimizade, a rixa e a oposição fazem parte do dia a dia de todo e qualquer conglomerado de pessoas ao redor do planeta. Independente, das motivações políticas, religiosas ou econômicas presentes em cada estilhaço de bomba de um conflito armado, como esse em Gaza, ou mesmo dos efeitos da falta de oportunidades na vida de moradores das periferias de países como o Brasil, por exemplo.

Estimativas recentes apontam que cerca de 10% do PIB brasileiro seja investido em segurança pública. Pouco, se considerarmos o crescimento proporcional da segurança privada e da indústria das armas. O fato é que nunca se fabricou tantos equipamentos letais, desde armas individuais e caseiras, até grandes equipamentos de artilharia terrestre, aérea e naval. E mais: nunca se viu tanta facilidade para se conseguir uma arma, independente dos meios para sua obtenção, como nos dias que vivemos. De fato, a indústria das armas parece não ser afetada pelos efeitos nocivos e devastadores da tão propalada crise econômica mundial.

Para se ter uma ideia, nos cinco primeiros dias úteis de 2009, 50 pessoas foram assassinadas na cidade de Salvador. Uma média de dez mortes violentas por dia, o dobro do registrado no mesmo período de 2008. A propósito, o Brasil é um dos líderes mundiais em homicídios. A taxa por 100 mil habitantes chega a 25,2. Entre os jovens, a taxa é ainda maior: 51,6 por 100 mil habitantes. Em suma, números que justificam a necessidade primária de segurança do ser humano, principalmente quando este se sente ameaçado e desprotegido.

A gratuidade da violência pode ser vista também nas estradas do país, onde, considerando-se os números absolutos é possível afirmar que existe uma guerra de espaço entre os milhares de veículos circulantes nas estradas e, também uma guerra para se chegar o mais rápido possível onde se deseja. O número de mortes nas estradas federais durante o feriado de fim de ano cresceu 13,3% em relação ao mesmo período de 2008. Atos de hostilidade, pura e simples. Excessos. Abusos. Irresponsabilidade.

Os números não mentem: de 20 de dezembro a 04 de janeiro, 435 pessoas morreram ao longo dos 61 mil quilômetros de rodovias federais em todo país. A título de comparação, no mesmo período o conflito no Oriente Médio matou o equivalente a 500 palestinos. Grosso modo, se somarmos os homicídios, mais os acidentes de trânsito, no período entre o final de 2008 e a primeira semana de 209, teremos no Brasil algo semelhante a três vezes o número de vítimas fatais em relação à Gaza.

Ora, a hostilidade descrita nos dicionários e presente na essência do ser humano demonstra ser irreversível. A violência, impulsionada pela espetacularização propagada pela imprensa de modo geral, infelizmente, parece ter se tornado algo comum no dia a dia de pequenas e grandes cidades. Gratuitamente, sem discussão, sem solução. Como se “Gaza” e suas demonstrações de barbárie fossem coisa de cinema e fizessem parte de um enredo distante. Basta. Incompreensão não é exclusividade dos povos de lá.


Artigo publicado para a coluna "Ponto de Vista" do Jornal Classe A de Luis Eduardo Magalhães/BA, Edição 120 de 24 de janeirode 2009.

Postagem autoral

Foto: Anton Roos
Desde os primeiros fogos de artifício anunciantes do novo ano muita coisa aconteceu com este blogueiro.

Profissionalmente, dois acontecimentos merecem destaque.

- 1º Fui convidado para trabalhar com um jornal impresso em Luis Eduardo;

- 2º Tornei-me colunista de um portal da cidade.

De hoje em diante, passarei a publicar parte do material por mim produzido para estes dois veículos.

Como disse na coluna de estréia para o portal, o cafezinho e os biscoitos são por minha conta.

2 de fev. de 2009

Aeroporto de Barreiras: a última parte

Miami e Rio: viagem com dois dias a menos


Em 2 de setembro desse mesmo ano, 1940, é possível que Barreiras não tivesse uma banca de jornais e revistas. As únicas chances da população se manter informada com o que se passava no Brasil e no mundo era o rádio. O Aeroporto ganharia essa conotação apenas quando entrasse em funcionamento pra valer, isso, pouco tempo depois.

Nesse dia a revista americana Time publicava artigo referindo-se ao Aeroporto Internacional da Serra Bandeira, em Barreiras e suas implicações para o desenvolvimento da aviação comercial para as Américas.

Fundada em outubro de 1927, a Pan American Airways, tentava desde os idos de 1930 suprir uma de suas principais deficiências: a longa duração da viagem entre Miami e Rio. Em condições normais, atravessar os mais de 9 mil 763 km que separavam as duas cidades durava o equivalente há cinco dias, contando as paradas noturnas em Trinidad e Tobago, Belém e Recife, no litoral brasileiro. Com a finalização das obras do Aeroporto em Barreiras, uma aeronave Douglas DC-35, partindo de Belém conseguia atravessar os cerca de 2 mil 585 km até o Rio de Janeiro em apenas nove horas, diferente da velha e desgastante rota por Recife que ultrapassava os 4 mil 267 km. O problema estava solucionado.
Uma viagem antes realizada em cinco dias passou, com o advento do Aeroporto de Barreiras, a ser realizada em três. Ganhava a PAN AM, Barreiras e pouco tempo depois, os aliados no combate ao eixo liderado por Hitler.

Getúlio e os tramites da aliança com os EUA
Nas eleições presidenciais de 1930, o gaúcho de São Borja, Getúlio Dornelles Vargas, não imaginava que se tornaria um dos presidentes mais influentes do país, e que poucos anos mais tarde, seria pivô de uma das maiores transformações ocorridas no Brasil, graças as conseqüências da 2ª Guerra Mundial. Apesar de derrotado, o jovem Vargas, então com 38 anos, liderou o movimento revolucionário que tomou o poder assumiu o Palácio do Catete e em pouco, transformou-se no responsável pela implantação da justiça revolucionária, pela criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e pela promulgação das primeiras leis trabalhistas.

Em 1937, o Brasil foi acometido por um regime ditatorial comandado por Vargas. Indiferente, o presidente seguia o exemplo dos principais governantes europeus, como Adolf Hitler e Benito Mussolini, e possuía em sua base governista um numero significativo de militares cordiais aos ideais daqueles chefes de estado, a exemplo de Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército e Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra.

Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, Getúlio preferiu a neutralidade. Em meados de 1940, o Aeroporto de Barreiras deixava de ser um projeto arrojado da PAN AM e de seu administrador de operações no país, F.M Blotner, para finalmente sair do papel e a base aérea de Natal, no Rio Grande do Norte, já era considerada pelos americanos como crucial para a defesa de todo continente americano. Assediado, Vargas viu-se em uma encruzilhada. Internamente, foi pressionado pelos seus principais líderes, que pretendiam seguir o exemplo dos hermanos argentinos e havendo necessidade pender para o lado de Hitler, e no exterior, era rechaçado pelo então presidente americano Franklin Roosevelt a liberar seu território para usufruto das forças americanas.

A novela se estendeu ao longo daquele ano e meados de 1941. Enquanto isso no alto escalão do partido nazista na Alemanha, Hitler traçava planos para expandir suas vitórias. Com a costa africana sob seus domínios, o füher as escondidas do que acontecia no front de batalha na Europa arquitetava instalar-se na América do Sul, principalmente em território brasileiro. “No Brasil, se acham reunidas todas as condições para uma revolução que permitiria transformar um Estado governado e habitado por mestiços numa possessão germânica”, tachava o líder nazista.

Pela invejável posição geográfica que ostentava a neutralidade pretendida por Getúlio ficava insustentável a cada dia. Pelas ruas das principais cidades do Brasil, o assunto da vez era a necessidade do país assumir um posicionamento no conflito. O primeiro indício de uma definição do governo brasileiro perante a iminência da guerra, aconteceu em 24 de julho de 1941. Embora secretamente, Getúlio Vargas autorizava os EUA a utilizarem suas bases aéreas e navais no Norte e Nordeste do país. Sem fazer alarde, o Brasil entrava na guerra, e Barreiras a conviver com aviões e soldados americanos. As previsões de Blotner se tornavam realidade e a privilegiada pista de pouso do Aeroporto Internacional da Serra da Bandeira, em formato de “rosa dos ventos” a fazer parte da estratégia aliada no combate ao eixo.

Os acontecimentos do ano seguinte, pós bombardeamento japonês a base aérea de Pearl Harbor nos EUA, apenas consolidou o posicionamento de Vargas e a revolta popular anti-nazismo que se instaurara no país. Dezenas de embarcações brasileiras torpedeadas por submarinos nazistas ao longo das costas das Américas e um número significativo de vítimas fatais. As mulheres exigiam uma atitude e tomavam partido. Dentro em breve, o Brasil teria seu corpo de enfermeiras prontas para a guerra. Uma delas barreirense, de corpo e alma.


[ Livro relata trágico impacto da Segunda Guerra Mundial no Brasil, como os ataques dos alemães a navios brasileiros e a ação de espiões de Hitler no país
1. Interessado? Leia trecho do livro aqui. Leitura dinâmica e agradável
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