12 de ago. de 2008

Dia ruim

Dois cachorros brincam na calçada. Os que passam precisam desviar dos quatro patas. Um vira lata, mezzo sujo e com o perdão da palavra, bem feinho, outro, filhote de cachorro pedigree. Os dois parecem desinteressados com o que se passa a sua volta. Também pudera o que poderia interessar dois cachorros no conflituoso mundo dos seres humanos? Eles comem, são tratados – quanto ao vira lata não se sabe, porém? –, tem donos que cuidam deles.


Nem suspeitam os caninos, que ao lado passam pessoas a carregar nas costas um piano de calda de problemas. Pior, existem pessoas que não tem quem cuide delas. Pessoas e seus dias ruins. Porque no mundo dos homens, existem dias, e dias.

Alguns anos atrás, Michael Douglas interpretou uma pessoa que vivera seu dia de fúria. Mostrava o quanto estamos fadados a nos influenciar facilmente e nos abatermos pelos problemas que temos. No filme, Douglas externava todas suas mazelas contra tudo e todos, como um desabafo contra o mundo minimalista que vivemos.



O cinema ainda produziu outra obra peculiar: Clube da Luta. Brad Pitt e Edward Norton protagonizam personagens conflitantes e que representam o limite da sanidade do ser humano. Quando saí do cinema, recordo que tive vontade de socar a primeira pessoa que me cruzou o caminho. Não que ela fosse má, ou merecesse um sopapo no pé do ouvido. Fui condicionado aquilo. Como se pudesse fazer isso toda vez que passasse por um dia ruim ou quisesse exterminar meus demônios. E olha que não foram poucos depois que assisti ao filme. Cheguei a escrever um pequeno conto influenciado pelos dois filmes.

Um estudante de medicina de São Paulo está preso, justamente por fazer do seu dia ruim o calvário de outras três pessoas. Isso sem contar as famílias. O propenso estudante, simplesmente entrou em uma sala de cinema, e disparou contra o público. Vivia um dia ruim? É possível, entretanto, o seu dia ruim, o levou a cadeia e ceifou seus anseios de se tornar médico. Três pessoas morreram enquanto procuravam se divertir assistindo a um filme no cinema. Quem explica?

É impossível prever o que será do dia de amanhã. Que pé terá o prazer – ou não – de tocar o chão primeiro. Que cara e espírito receberá os primeiros sinais do novo dia. Todavia, a certeza que paira no ar, é que por mais que vivamos um dia ruim, ainda assim, vamos olhar nos olhos das pessoas e dizer “Bom dia”, e quando perguntados sobre como estamos, vamos ser ainda mais mentirosos em dizer que “estamos bem, obrigado”.

Nem sempre se está bem. E isso, garanto, não é privilégio somente dos seres humanos. Lembram dos cachorros que brincavam? Amanhã eles não vão olhar na fuça um do outro. É a vida. Existem dias, e dias.


Texto originalmente publicado no Blog do Barba e no Jornal O Imparcial de Luis Eduardo Magalhães/BA.

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