Há quem defenda a tese de que um relacionamento precise de umas ‘briguinhas’ às vezes. Questão de sobrevivência. Para não cair no marasmo. No ostracismo. Pequenas discussões e desentendimentos fazem parte do jogo, do convívio. Da necessidade de se reconquistar a pessoa amada constantemente. Reforçar a confiança e etecetera e tal.
Eram 19h. Domingo. A praça de alimentação do shopping se não estava lotada mantinha um fluxo de pessoas indo e vindo, e sentando e levantado, e comendo e bebendo. O chopp a minha frente não estava gelado, mas era um chopp, ora bolas. Podia não estar cremosinho como deviam ser todos os bons chopps deste mundo, mas ainda assim, satisfazia minha felicidade. Bebericava e resvalava a língua para limpar o bigodinho feito com a espuma branca do líquido abençoado.
- Hummm.
A minha esquerda uma jovem, não mais que 19 anos senta. Cara fechada. Braços cruzados. Poucos instantes depois um jovem, arrisco 21, passa apressado pela mesa onde eu e meu irmão bebíamos nossos chopps felizes. Carregava um casaco jeans e um livro. Muitas páginas, muito mais que 400. Não consegui identificar o título, apenas que se tratava de “história”, no sentido crasso da palavra. Sentou ao lado dela a espera do pedido. Estavam distantes. Ela irredutível. Cara fechada e braços cruzados.
Meu chopp chegou a metade quando o pedido do casalzinho foi entregue. Ele começou a comer. Conversavam. Não ouvia chongas do que falavam mas conversavam. Discutiam. Ele parou de comer. Abandonou pela metade o salgado que comia e também cruzou os braços. Virou o rosto. Ela falava. Como falava. Falou tanto que ele juntou casaco, o livro e levantou. Ameaçou ir embora. Deixa-la para trás.
Rápida e com sangue nos olhos a garota o segurou pelo braço. Com força. Ele voltou a sentar. Repetiu-se o roteiro. Braços cruzados, rosto virado, olhar distante. O sermão da jovem continuou. Meu chopp acabou. Pedi outro. Ri. Brindei com meu irmão, a essa altura mais interessado em saber o desfecho da briga ao lado que qualquer outra coisa a nossa volta.
Ele voltou a se levantar. Ela mais uma vez o segurou pelo braço. O jovem mudou de estratégia. Tentou se aproximar. Recostou-se no ombro dela. Tentou um beijo apaziguador nas bochechas rosadinhas e lisas. Nada. Ela não queria saber de beijinhos e abracinhos. Naquele momento ela queria discutir a relação. Alguma coisa de muito grave, para ela, o namorado tinha feito e não podia ficar sem que ambos chegassem a um consenso.
Era evidente. Ela queria atenção, ele não queria conversa, achava que ela estava exagerando ou, na pior das hipóteses, que aquele não era lugar para uma briga ou para resolver o “grave” problema.
Aliás, ele não achava aquele um problema. Para ele não havia razão para uma discussão, principalmente em um local público e sob os olhares famintos de dezenas de estranhos, inclusive eu e meu chopp não muito gelado, mas ainda assim um chopp.
Os homens não gostam de discutir relação. As mulheres sim. As mulheres querem atenção dobrada, talvez triplicada. Era o que a jovem de 19 aninhos queria. Atenção. Tanto foi que percebendo que sua tática não estava dando certo, ela resolveu se levantar e ir embora. Ele ficou sentado. Quase não se moveu. Apenas olhou para ela, levantou os braços e disse:
- Não vá. Senta ai.
Ela não queria ir. Levantou e ameaçou ir embora a espera de uma atitude do namorado. Queria, muito provavelmente, que ele se levantasse, a pegasse entre os braços. Queria ser domada. Não foi o que aconteceu. Ele apenas pediu para ela se sentar. E ela fez. Continuaram ali por mais alguns minutos. Braço cruzado pra cá, braço cruzado pra lá. Quando resolveram ir embora, saíram de mãos dadas. Até que o momento em que ele tentou cruzar o braço esquerdo por sobre os ombros dela.
Pelo que aconteceu em sequência, aquilo foi um erro. Possivelmente ele tenha dito alguma coisa que não devia naquele momento ou tentado mordiscar a orelhinha dela. Não se faz isso em meio a uma briga. Mulher nenhuma quer ter a orelha mordiscada quando está xingando e reclamando e pedindo aos céus por atenção. Rapidamente, ela se desvencilhou do braço esquerdo do namorado e apertou o passo. Quase correu. Ele levantou os braços, como se pensasse:
- Era só o que me faltava.
Balançou a cabeça e seguiu, tentando encontrar a namorada fujona no meio de tanta gente. Foi interrompido por um bebezinho recém caminhante que trombou em suas pernas. Deu atenção ao bebê. Até brincou com ele. Trocou sorrisos com os pais do bebezinho e só então voltou o olhar a frente à procura da namorada. Ela estava de volta. Parada quase em frente dele. Novamente havia desistido de fugir. Trocaram um abraço um beijo. Ela sorriu. Deram-se as mãos e seguiram suas vidas. Acho que foi o bebezinho.
O namorado foi salvo pelo bebezinho.
2 comentários:
Muito bom este artigo, de alguém que conhece muito bem as motivações e necessidades das mulheres. Não sei sequer se é homem, mas (secretamente) esquero que seja!
"esquero" - 'espero' e 'quero' numa única palavra... :D Peço desculpa pelo erro.
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