5 de jul. de 2010

O dia que visitei os velhinhos - II

Segue a segunda parte da história  que retrata uma visita que fiz com uma colega, hoje também jornalista, ao Lar dos Idosos de Barreiras alguns anos atrás, as vésperas do Natal. Recordo de à época termos nos perguntado: Como são as datas comemorativas no lar? Interessante que parte da bagagem de suposições que carregamos para dentro das paredes daquele recinto naquela tarde foi por terra. Uma delas dizia respeito exatamente a isso. Primeiro, porque imaginávamos encontrar muitos velhinhos tristes e arredios. Segundo, imaginávamos que o fato deles estarem passando essa parte de suas vidas em um “asilo”, poderia representar algo degradante ou pelo qual eles não se orgulhassem. Engano total.

Um dos pontos que pôs em cheque nossas vagas suposições é o carinho e o respeito com que os funcionários da casa tratam aqueles idosos. Fato consumado. A irmã foi contundente ao afirmar que boa parte daqueles velhinhos não quer deixar o Lar, mesmo em condições para tal. Em suma, eles vêem no Lar o seu “lar”, conseguem viver seus últimos anos com dignidade. Aliás, esse foi um dos pontos cruciais da conversa com Irmã Luciene que ainda tratou do respeito à diversidade cultural existente. “Cada um traz sua cultura, nós temos de respeitar”. De acordo com a irmã, os funcionários são orientados a não interferir nessas questões. Pode-se dizer então que se consuma a velha máxima do: respeite para ser respeitado.
 
Enquanto os pássaros alegravam a tarde quente e um vento suave se espalhava pelo local, éramos recepcionados por outros dois velhinhos. Dona Alfreda, tida como louca antes da entrada no lar e Seu Manoel, vítima de três derrames, mas que realiza caminhadas regulares, inclusive fora da casa. Ambos, sem interferir, ficaram nas imediações de onde conversávamos com a irmã Luciene. Sentados e pensativos.

O relato continuava e com ele novas afirmações. Apesar de a manutenção ser feita quase que exclusivamente pela Caritas Diocesana e pelos “amigos dos idosos” que contribuem mensalmente através do pagamento de um carnê, o lar não detém qualquer auxílio dos governos municipal e estadual. Algumas carências especificas, por vezes são supridas através do voluntariado. Médicos prestam atendimento gratuito, o clube da melhor idade faz visitas regulares à casa, oportunidade que promovem festas, e especialmente em épocas festivas, há uma enxurrada de grupos voluntários valendo-se da máxima da solidariedade. Irmã Luciene, disse que muitas vezes, os velhinhos não gostam desses excessos de Páscoa e Fim de Ano.
 
Esses graduais aumentos de solidariedade por parte da população, segundo ela, exigiram que o Lar criasse algumas regras e fosse mais rígido na hora de aceitar certas contribuições. “Tem pessoas que ligam pra gente pedindo para que confirmemos que elas prestaram atividades filantrópicas no lar” disse a irmã, que foi além dizendo que boa parte desses contatos são de pessoas que nunca estiveram na casa, ou prestaram qualquer tipo de ajuda para o Lar.
 
Pelo tempo que tivemos com Irmã Luciene pode-se notar que realmente, o trabalho que realiza é feito com amor. Pelas poucas conversas que testemunhamos entra ela e os velhinhos, percebe-se que há uma cumplicidade e um tom de afeto presentes. Nossa visita terminou com uma tour pelas dependências da casa. Na saída, a constatação: os velhinhos que vivem no Lar dos Idosos gostam de receber visitas e sentem prazer em recepcionar seus visitantes.
 
Já no hall de entrada e prestes a sairmos da casa, presenciamos uma cena que exemplifica o quão dignificante a vida no Lar dos Idosos é para esses velhinhos. O mesmo senhor com problemas visuais (ver parte I) levantou-se e próximo de onde eu e minha colega estávamos, pediu que chamássemos, supostamente uma das funcionárias. De pé, aquele senhor aguardou por uns instantes com a bengala levantada cerca de vinte centímetros do chão. Enquanto nossos olhares procuravam pela funcionária solicitada, Manoel, aquele que sofrera três derrames e que todas as tardes sai para caminhadas pelas redondezas da casa, prontamente se aproximou do companheiro e pegando a ponta levantada da bengala, orientou o amigo até seu quarto. Não precisou de funcionária, não precisou de muito tempo. Embora os passos de ambos estejam descompassados em vista do avançar dos anos e dos suscetíveis problemas de saúde, em poucos minutos, Manoel levava o amigo para o quarto, e nós boquiabertos nos questionávamos:

- Que mundo é esse lá fora?

Vale ressaltar que a história registrada nestes dois textos foi escrita em meados de 2007, e por isso não temos como comprovar a situação atual do Lar dos Idosos.

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