Mendigar, pedir e esmolar. Três verbozinhos. Conjugados diariamente por milhares de pessoas: no Brasil, no mundo, e, claro, em Luís Eduardo Magalhães. Homens e mulheres. Jovens e adultos. A meia tarde de domingo, Brasília em pouco se parece com a movimentada capital de todos nós brasileiros. A política, observada neste horário, parece ingrediente para, quando muito, os dias úteis. O ônibus lotação apressa-se pelo final da asa sul. Uns entram outros saem. Entre eles, um jovem de pele escura, aparentemente bem afeiçoado. Tão logo passa pela roleta do cobrador começa a conjugação da trinca verbal.
- Moço, me dá dez centavos.
- Moço, me dá dez centavos.
Assim o faz com todos passageiros.
Adiante o jovem negro desce do ônibus e estanca em outra parada. Até o acelerar do ônibus o pedinte permanece imóvel, sem ação, no aguardo sabe se lá de que ou de quem. Não tive tempo de perguntar. Confesso. Preferi, na reflexão silenciosa do trajeto, imaginar que razão faz com que uma pessoa entre em um ônibus lotação arque com o valor devido (uma modela de um e outra de cinqüenta) e comece a pedir miseráveis dez centavos de cada um dos passageiros.
Não faz sentido. Esforço-me para entender. Em vão.
Dez centavos é moeda de pouco apreço. Pouco contato. Não é popular, senão em mercados, padarias e bancos. As pessoas preferem as de vinte e cinco, cinquenta e um real. São maiores e mais significativas. Mas mesmo assim, a mendicância do rapaz candango é clara: “Me dá dez centavos”. Não ganha somente os dez pedidos, ganha os vinte e cinco, cinquenta e um real. É inteligente. Cara de pau. Pede com a cara limpa. Sem vergonha. Fácil.
À noite, é a vez de uma mulher, também de cor escura, pedir auxílio financeiro sob o pretexto de alimentar os filhos. A rodoferroviária da capital federal, a propósito, é um conluio de atrocidades sociais. De todos os gêneros. A moça não carrega os rebentos a tira colo. Tem tão somente boa lábia. Ganha algumas moedas. Vai-se.
Outro chega. Conduzindo uma bicicleta adaptada a necessidade especial, um senhor oferece pequeninos saches de mel. Não mendiga, pede ou esmola. Vende. As moedas se foram. Digo: não, obrigado. Ele se ofende. Questiona. Diz ser trabalhador. Acusa a mulher de pedir dinheiro para se drogar. Nada mais posso fazer. Sou a vítima. Sinto-me culpado. Prometo não dar mais moeda sequer para qualquer que seja o pedinte sob qualquer que seja o argumento. Ponto. Exclamo.
Despeço-me da capital federal. Triste. A constatação é inevitável. Os verbetes da primeira linha, são hoje, conjugados de todas as formas possíveis. Não há gramática que resista. Impossível passar incólume. Absorto. Mendiga-se em todas as esquinas. Em todas as valas, em todas as ocasiões. Mente-se a mentira perfeita. Engana-se com talento. Mendigos profissionais é o que são. Brasileiros. Crias de um país de Arrudas, mensalões, CPI´s. Um país que se prepara timidamente para novas eleições. A definir quem serão os nomes. As chapas. Um país que disfarça suas feridas. Varre para debaixo do tapete toda sujeira. Empurra para depois. Bem depois. “Ficha limpa” é carta fora do baralho. Há sujeira em todo lugar. O ônibus para novamente, a roleta gira, o cobrador recebe o um e cinquenta, o passageiro entra, é o mesmo de sempre, é verdade, a mendicância se profissionaliza:
- Moço, me dá dez centavos.
Um comentário:
Isso é tão comum aqui que eu também já fiz a mesma promessa: não dou mais dinheiro para nenhum pedinte.
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