26 de abr. de 2010

Calvos, felizes e realizados

É impressionante como existem carecas na província de Porto Alegre, capital de todos os gaúchos. Homens de meia idade, com barbas grisalhas e óculos de armação. Bem vestidos e, muitos deles, acompanhados por mulheres bonitas e sofisticadas.

Na sala 07 do cinema do Bourbon Country, no bairro Passo d’ areia, contei meia dúzia. Na fila para comprar ingresso, outros dois ou três. E na saída mais alguns Carecas por toda parte. Calvos, felizes e realizados.

Carecas reluzentes e brilhantes, como se lustradas por flanelas umedecidas com líquidos perfumados e que fazem bem a saúde da pele, em especial do couro cabeludo. Carecas.

Por ligeiros minutos, imaginei-me em situação semelhante daqui uns anos. Ainda nos trailers, conclui que tenho certa folga antes de me tornar um careca de meia idade, com barba grisalha, óculos de armação e acompanhado por uma bela e sofisticada mulher.

Ao final do filme, percebi que para que isso aconteça, primeiro preciso me mudar para a capital gaúcha, caso contrário, posso não fazer parte deste grupo em especial. E aí, nada de me tornar calvo, feliz e realizado.

15 de abr. de 2010

A mendicância se profissionaliza

Mendigar, pedir e esmolar. Três verbozinhos. Conjugados diariamente por milhares de pessoas: no Brasil, no mundo, e, claro, em Luís Eduardo Magalhães. Homens e mulheres. Jovens e adultos. A meia tarde de domingo, Brasília em pouco se parece com a movimentada capital de todos nós brasileiros. A política, observada neste horário, parece ingrediente para, quando muito, os dias úteis. O ônibus lotação apressa-se pelo final da asa sul. Uns entram outros saem. Entre eles, um jovem de pele escura, aparentemente bem afeiçoado. Tão logo passa pela roleta do cobrador começa a conjugação da trinca verbal.

- Moço, me dá dez centavos.

Assim o faz com todos passageiros.

Adiante o jovem negro desce do ônibus e estanca em outra parada. Até o acelerar do ônibus o pedinte permanece imóvel, sem ação, no aguardo sabe se lá de que ou de quem. Não tive tempo de perguntar. Confesso. Preferi, na reflexão silenciosa do trajeto, imaginar que razão faz com que uma pessoa entre em um ônibus lotação arque com o valor devido (uma modela de um e outra de cinqüenta) e comece a pedir miseráveis dez centavos de cada um dos passageiros.

Não faz sentido. Esforço-me para entender. Em vão.

Dez centavos é moeda de pouco apreço. Pouco contato. Não é popular, senão em mercados, padarias e bancos. As pessoas preferem as de vinte e cinco, cinquenta e um real. São maiores e mais significativas. Mas mesmo assim, a mendicância do rapaz candango é clara: “Me dá dez centavos”. Não ganha somente os dez pedidos, ganha os vinte e cinco, cinquenta e um real. É inteligente. Cara de pau. Pede com a cara limpa. Sem vergonha. Fácil.

À noite, é a vez de uma mulher, também de cor escura, pedir auxílio financeiro sob o pretexto de alimentar os filhos. A rodoferroviária da capital federal, a propósito, é um conluio de atrocidades sociais. De todos os gêneros. A moça não carrega os rebentos a tira colo. Tem tão somente boa lábia. Ganha algumas moedas. Vai-se.

Outro chega. Conduzindo uma bicicleta adaptada a necessidade especial, um senhor oferece pequeninos saches de mel. Não mendiga, pede ou esmola. Vende. As moedas se foram. Digo: não, obrigado. Ele se ofende. Questiona. Diz ser trabalhador. Acusa a mulher de pedir dinheiro para se drogar. Nada mais posso fazer. Sou a vítima. Sinto-me culpado. Prometo não dar mais moeda sequer para qualquer que seja o pedinte sob qualquer que seja o argumento. Ponto. Exclamo.

Despeço-me da capital federal. Triste. A constatação é inevitável. Os verbetes da primeira linha, são hoje, conjugados de todas as formas possíveis. Não há gramática que resista. Impossível passar incólume. Absorto. Mendiga-se em todas as esquinas. Em todas as valas, em todas as ocasiões. Mente-se a mentira perfeita. Engana-se com talento. Mendigos profissionais é o que são. Brasileiros. Crias de um país de Arrudas, mensalões, CPI´s. Um país que se prepara timidamente para novas eleições. A definir quem serão os nomes. As chapas. Um país que disfarça suas feridas. Varre para debaixo do tapete toda sujeira. Empurra para depois. Bem depois. “Ficha limpa” é carta fora do baralho. Há sujeira em todo lugar. O ônibus para novamente, a roleta gira, o cobrador recebe o um e cinquenta, o passageiro entra, é o mesmo de sempre, é verdade, a mendicância se profissionaliza:

- Moço, me dá dez centavos.

8 de abr. de 2010

Minha colega "analítica"

A primeira recordação que tenho de Ana, data das primevas aulas de Teorias da Comunicação, ministradas pelo professor e mestre, Marden Lucena. Foi ela a responsável por ler, em voz alta, uma definição de "comunicação" que eu tinha, na oportunidade, o dever de comentar. Ela leu, eu pedi que fizesse nova leitura, eu comentei.

Quatro anos se passaram. A menina, louca, analítica e jornalista, escreveu, ao lado de outras duas colegas, um livro que ando sedento de vontade de ler, embora ainda não publicado. Agora envereda-se pelo mundo da blogosfera. O blog é novo, mas vale a pena conferir, seguir, acompanhar. Foi parido ontem, Dia do Jornalista.

Clichês a parte, que seja eterno enquanto dure.

2 de abr. de 2010

Calcinha, preta e com rendinhas?

Um show para milhares em Luís Eduardo
Na primeira apresentação depois de receber o prêmio de “Melhor Música do Ano” no Domingão do Faustão da Rede Globo, consagrada banda de forró leva fãs ao delírio na capital do agronegócio
Foto: Anton Roos

A atração mais esperada nas comemorações pelo décimo aniversário de Luís Eduardo Magalhães, por pouco não se apresentou. Impossibilitado de pousar no Aeroporto de Barreiras, em decorrência das fortes chuvas que caiam na cidade mãe no final da tarde de segunda-feira, 29, a aeronave que trazia os quatro vocalistas da banda Calcinha Preta para o oeste da Bahia acabou pousando hora e meia depois, por volta de 19h e 30 min no Aeroporto Internacional de Brasília, distante 560 km do município aniversariante, também sob forte chuva.

A notícia chegou ao conhecimento da organização do evento em Luís Eduardo, e consequentemente do prefeito Humberto Santa Cruz, pouco antes do por do sol e quando as nuvens cinzentas ainda eram tão somente uma ameaça. Uma decisão precisava ser tomada rapidamente, sob pena da não realização do evento. Sentado numa das muretas da praça matriz Humberto procurava a melhor alternativa para, em tempo, realizar o show. E assim o fez. Devido a imprevisibilidade do clima na região, um novo voo foi descartado. Restava uma única alternativa: locar dois automóveis para trazer os cantores.

Era noite. A brisa que pairava na praça matriz, ainda vazia, indicava que a chuva que pouco antes impedira o pouso dos quatro protagonistas da noite, estava próxima. A timidez dos primeiros pingos d’água logo se transformaram numa pancada de chuva. O transporte dos artistas estava garantido, o show ainda não. Será que a chuva seria um empecilho para a realização do evento? A pergunta que por alguns minutos martelou na cabeça do prefeito municipal, por sorte, foi respondida com a manutenção do show. Aos poucos a chuva foi amainando e a sensação de mormaço se dissipando. Por completo.

Contagem regressiva - Às 22h, não havia qualquer indício que um grande show se realizaria no entroncamento das Ruas Paraná e Rui Barbosa. Não havia público e não havia som nos PA´s. O primeiro, ainda desconfiado com a possibilidade de a chuva voltar, e o segundo, pelo risco de estragos no equipamento de som. Ambos só deram o ar da graça meia-hora depois. O que se viu daí em diante serviu como contagem regressiva. Enquanto instrumentistas e dançarinos aguardavam no hotel, a frente do palco era tomada pelo público enquanto que a dupla local, New e Júnior tocava sucessos da música sertaneja.

A meia-noite uma pausa. Com a participação do prefeito Humberto Santa Cruz e secretários de governo, a banda que acompanha a dupla tocou uma improvisada versão de “Parabéns pra você”, seguida por parte dos presentes que a essa altura já tomavam boa parte das imediações do palco, em referência ao décimo aniversário do município comemorado dia 30. Aos parabéns se sucederam fogos de artifício. Ao show pirotécnico a continuidade do show da dupla que por duas horas aqueceu os presentes que timidamente pediam pela atração principal.

Foto: Hélio Lima

O show - Quinze minutes antes da apresentação da dupla terminar, roadies, seguranças, músicos e dançarinos da Calcinha Preta chegavam ao camarim. Restava o mais importante, os quatro cantores, que no dia anterior estavam no Rio de Janeiro onde receberam das mãos do apresentador global Fausto Silva o prêmio de “Melhor Música do Ano”, pela canção “Você não vale nada”, tema da novela Caminho das Índias da Rede Globo de Televisão. Duas da manhã. Um mar de gente aguarda pelo início do show. Cortinas fechadas. Os quatro cantores, enfim, chegam a Luís Eduardo. Falta pouco. No camarim, os cantores Marlos e Bel contam que o grupo já está a três dias praticamente sem dormir, cumprindo os compromissos da agenda. Sorridentes eles falam do prêmio e do reconhecimento. Agradecem ao prefeito pela oportunidade. O show vai começar.

Logo no primeiro ato, a canção vitoriosa põe o público estimado em 15 mil pessoas para cantar e dançar. Ao final, Bel mostra o troféu recebido no dia anterior e diz que a banda não poderia fazer o primeiro show depois da premiação em outro lugar que não numa cidade do nordeste. O público vai ao delírio. Na sequencia, a vocalista Paulinha chama para frente do palco o prefeito Humberto Santa Cruz que brevemente anuncia que a festa é do povo e feita para o povo. O show continua. O balé dos dançarinos em cima do palco é tão perfeitamente sincronizado quanto a disposição dos três casais em trocar de figurino nos camarins. O mesmo acontece com os cantores que, mesmo cansados, atendem aos fãs com fotos e autógrafos. O grupo enfileira sucessos, um após o outro, mantém o público na mão e transforma o show dos dez anos de emancipação num evento histórico para não se esquecer.

Quando as cortinas se fecham e o show termina, ainda há tempo para atender uma última fã. Aos prantos ao lado da van que levaria o grupo para seu próximo compromisso, uma menina implora por uma foto com os ídolos. A pequena fã ganha sua foto, seu autógrafo e ainda chorando segue ao lado da mãe. Já a cidade menina Luís Eduardo Magalhães, quando os galos já se preparavam para anunciar a chegada da manhã, eternizava em sua história o espetáculo que acabara de presenciar.

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Publicado na edição nº 180 do Jornal Classe A

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[Juntar trabalho com diversão, pq não? Olha eu e Paulinha, vocalista da Calcinha Preta]