Jardel: "Quando você não tem carinho é porque não construiu coisas positivas" |
De
bermudão e camisa pólo, sob a pouca luz do hall de entrada do Hotel Saint Louis
em Luís Eduardo Magalhães, as duas mãos nos bolsos, sandália de praia e a
expressão cansada de quem recém acorda de um revigorante cochilo, Mário Jardel
Almeira Ribeiro, ou simplesmente Jardel para os torcedores do Grêmio de
Football Portoalegrense e “Super Mário”, como ficou conhecido entre os
torcedores do Porto de Portugal, (os dois clubes onde obteve mais conquistas e
reconhecimento), prepara-se para duas horas mais tarde ser a atração principal
da I Convenção Regional de Torcedores do Grêmio, organizada pelo Consulado
Gremistas Oeste Bahia.
Receptivo,
antes do início da conversa, Jardel pede duas garrafas de água mineral e
encontra tempo para se divertir com uma cena da novela que passa na TV. “Vamos
lá, pai”, diz, antes de soltar um sorriso e dar a deixa para o início da
entrevista. Recém-chegado de uma viagem a Portugal, Jardel não esconde o
remorso por estar sem jogar. Do seu último contrato como jogador restou apenas
más recordações. “Estava no Rio Negro do Amazonas, mas não tinha estrutura nenhuma.
Consegui patrocínio para o clube, mas eles não tinham nem campo pra treinar”,
conta. “Até gostaria de continuar jogando, mas se não pagam e não te dão valor,
não dá”, completa.
Em
Portugal, Jardel procurava trabalho. Algo com o que se ocupar. “Fui atrás de
trabalho. Para morar lá, seja no Sporting, ou no Porto. Trabalhar com
categorias de base, ser embaixador internacional do clube. Algo de um meio que
eu conheço que é o futebol”, emenda.
A
breve interrupção de um torcedor do Grêmio para um autógrafo e um abraço tira
por instantes a concentração do ídolo. “Fico muito feliz, pelo que fiz no
futebol”, revela, assim que o gremista satisfeito deixa o restaurante do hotel
onde se dava a conversa. “Quando você não tem carinho é porque não construiu
coisas positivas”, diz, falando da importância em receber o reconhecimento dos
torcedores dos clubes por onde passou. “Quando você conquista vitórias e
títulos e entra pra história do clube é natural esse carinho, como acontece com
os torcedores do Grêmio e do Porto”, explica.
Sobre a final do Mundial Interclubes de 1995, contra o Ajax da Holanda: "Faltou só o gol, não fiz gol" |
Chute certo
Natural
de Fortaleza, onde iniciou a carreira de jogador aos 17 anos, não demorou para
o faro de gol e o dom na bola área chamar a atenção do futebol do centro/sul do
país. Contratado pelo Vasco da Gama, entre 1991 e 1994, Jardel disputou 39
partidas marcando 22 gols. Deste período destaque para os dois gols marcados na
final do Campeonato Carioca de 1994, contra o Fluminense. Com o Maracanã
lotado, o clube ainda sentia a perda precoce de uma de suas maiores promessas:
Denner, morto em um acidente automobilístico semanas antes.
Pinçado
a dedo pelo técnico Luis Felipe Scolari, Jardel deixou o clube de São Januário
em 1995 para disputar a Taça Libertadores da América pelo Grêmio de Porto
Alegre. Mal sabia o atacante que no Estádio Olímpico, ao lado do baixinho
endiabrado Paulo Nunes, levaria o clube gaúcho ao bi campeonato da América. Em
pouco tempo, Jardel se tornou ídolo da torcida tricolor. Em um ano e meio de
clube, disputou 73 jogos e marcou 67 gols, um deles no jogo de volta das
quartas-de-final contra o Palmeiras no Parque Antártica.
“Felipão
deu o chute certo. Mostrou que tem estrela”, relembra o artilheiro, ao recordar
o inesquecível ano de 1995, razão pela qual saiu de Fortaleza, cidade onde,
depois de 20 anos de futebol, voltou a morar com a esposa e mantém uma pequena
confecção de artigos femininos, para participar da festa gremista no oeste
baiano. “Foi por um fio, mas Deus estava do nosso lado”, resume o ídolo, ao
comentar o histórico embate contra o Palmeiras naquele ano. Após uma goleada
surpreendente no Olímpico por 5 a 0, em São Paulo, o gol marcado por ele logo
no início garantiu a vaga na fase seguinte, apesar da derrota por 5 a 1.
“Psicologicamente, ali nós ganhamos a libertadores”.
A
conquista da América 12 anos depois do primeiro título e da conquista do mundo
em 1983, serviu de combustível para que torcida, dirigentes e jogadores
acreditassem no bi mundial. Numa manhã de dezembro, a metade azul do Rio Grande
do Sul parou para ver a partida decisiva contra o Ajax da Holanda. O time
holandês, base da seleção do país, era o bicho papão da época. Uma equipe,
considerada por muitos, imbatível. Não para Jardel, que revela ter entrado em
campo contundido. “Joguei com dores no joelho, com a tendinite bem infiltrada.
Fui mesmo, porque era um jogo importante pra mim e pro Grêmio”, explica,
lembrando que o time jogou com um a menos boa parte da segunda etapa e toda
prorrogação. O zagueiro Rivarola foi expulso aos 22 minutos. O Grêmio acabou
derrotado nos pênaltis, depois de 120 minutos sem gols em Tóquio. “Faltou só o
gol, não fiz gol”, brinca o ex-atleta, hoje com 38 anos.
Recebendo o carinho dos fãs tricolores, Jardel lembra os momentos difíceis da carreira e o conturbado envolvimento com as drogas: "É preciso força de vontade, não dá pra se entregar nunca" |
Luta diária
A
boa fase vivida na capital gaúcha continuou em Portugal. Pelo Porto, entre 1996
e 2000, Jardel alcançou a incrível média de mais de um gol por jogo. Ao todo
foram 125 partidas e 130 gols marcados com a camisa do clube português. A fase
áurea e a fartura de gols continuou por mais três anos. Entre 2001 e 2004, no
Galatasaray da Turquia e de volta a Portugal, mas vestindo a camisa do
Sporting, Jardel continuou ídolo e artilheiro. No entanto, foram as férias e as
más companhias que aos poucos tiraram o atleta dos trilhos.
“Os
excessos, as drogas, o álcool vinham quando estava de férias dos clubes e por
conta dos amigos ‘chupa-sangue’”, diz o ex-jogador. O vício se tornou um
problema na carreira do craque. Os gols se esvaíram e as propostas também.
Entre 2004 e 2008, Jardel passou por 10 clubes, no Brasil e no exterior, sem conseguir
ser nem sombra do ‘matador’ de anos antes. Em 2008, sem dinheiro, sem amigos, e
desiludido com a vida, Jardel convoca a imprensa nacional para uma declaração
bombástica. Ao mesmo tempo em que assume o problema com as drogas e a
necessidade de reabilitação, o ídolo não esconde o desejo de voltar a vestir a
camisa de Vasco ou Grêmio.
“Fecharam
as portas para mim”, conta, três anos depois. “Simplesmente pedi para os
presidentes para ficar treinando, mas existiu um medo depois da declaração que
eu dei. Lamento muito, mas não guardo mágoa. Não guardo mágoa de ninguém”, diz
Jardel. Para superar o momento turbulento, o ex-artilheiro é taxativo. “É uma
luta diária”, comenta, ligeiramente incomodado em falar sobre o passado
conturbado. “Eu sei que errei. Todos nós temos problemas e só depende da gente
superar, mais nada. As pessoas mudam. Tem duas escolhas. Ou se vai para baixo
ou muda. É preciso força de vontade, não dá pra se entregar nunca”, desabafa.
Sem
qualquer aviso, Jardel antecipa-se, levanta e vai ao banheiro. Na volta pede um
café e diz para seguir com a conversa. Questionado sobre que orientação teria
para os jovens que sonham se tornar jogadores profissionais, o artilheiro não
hesita. “Força de vontade, Fé na mudança e convicção de que vai conseguir”.
Para o craque alertas sobre os malefícios do uso excessivo de drogas e álcool
não faltam na televisão ou nos jornais. O que importa, segundo ele, é manter-se
afastado das más companhias e não se ludibriar com o glamour do futebol.
“Estudem, busquem fugir das drogas, busquem ocupar suas mentes”, decreta. Mas,
e o Jardel, hoje, como está, quem é, o que pretende: “Sou um homem renovado e feliz”,
simplifica.
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O texto acima foi originalmente escrito para a edição de novembro da Revista A, mas acabou passando por edição e sendo diminuído em mais da metade
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O texto acima foi originalmente escrito para a edição de novembro da Revista A, mas acabou passando por edição e sendo diminuído em mais da metade