31 de out. de 2011

Jardel: renovado e feliz


Jardel: "Quando você não tem carinho é porque não construiu coisas positivas"


De bermudão e camisa pólo, sob a pouca luz do hall de entrada do Hotel Saint Louis em Luís Eduardo Magalhães, as duas mãos nos bolsos, sandália de praia e a expressão cansada de quem recém acorda de um revigorante cochilo, Mário Jardel Almeira Ribeiro, ou simplesmente Jardel para os torcedores do Grêmio de Football Portoalegrense e “Super Mário”, como ficou conhecido entre os torcedores do Porto de Portugal, (os dois clubes onde obteve mais conquistas e reconhecimento), prepara-se para duas horas mais tarde ser a atração principal da I Convenção Regional de Torcedores do Grêmio, organizada pelo Consulado Gremistas Oeste Bahia.

Receptivo, antes do início da conversa, Jardel pede duas garrafas de água mineral e encontra tempo para se divertir com uma cena da novela que passa na TV. “Vamos lá, pai”, diz, antes de soltar um sorriso e dar a deixa para o início da entrevista. Recém-chegado de uma viagem a Portugal, Jardel não esconde o remorso por estar sem jogar. Do seu último contrato como jogador restou apenas más recordações. “Estava no Rio Negro do Amazonas, mas não tinha estrutura nenhuma. Consegui patrocínio para o clube, mas eles não tinham nem campo pra treinar”, conta. “Até gostaria de continuar jogando, mas se não pagam e não te dão valor, não dá”, completa.

Em Portugal, Jardel procurava trabalho. Algo com o que se ocupar. “Fui atrás de trabalho. Para morar lá, seja no Sporting, ou no Porto. Trabalhar com categorias de base, ser embaixador internacional do clube. Algo de um meio que eu conheço que é o futebol”, emenda.

A breve interrupção de um torcedor do Grêmio para um autógrafo e um abraço tira por instantes a concentração do ídolo. “Fico muito feliz, pelo que fiz no futebol”, revela, assim que o gremista satisfeito deixa o restaurante do hotel onde se dava a conversa. “Quando você não tem carinho é porque não construiu coisas positivas”, diz, falando da importância em receber o reconhecimento dos torcedores dos clubes por onde passou. “Quando você conquista vitórias e títulos e entra pra história do clube é natural esse carinho, como acontece com os torcedores do Grêmio e do Porto”, explica.

Sobre a final do Mundial Interclubes de 1995, contra o Ajax da Holanda:
"Faltou só o gol, não fiz gol"


Chute certo
Natural de Fortaleza, onde iniciou a carreira de jogador aos 17 anos, não demorou para o faro de gol e o dom na bola área chamar a atenção do futebol do centro/sul do país. Contratado pelo Vasco da Gama, entre 1991 e 1994, Jardel disputou 39 partidas marcando 22 gols. Deste período destaque para os dois gols marcados na final do Campeonato Carioca de 1994, contra o Fluminense. Com o Maracanã lotado, o clube ainda sentia a perda precoce de uma de suas maiores promessas: Denner, morto em um acidente automobilístico semanas antes.

Pinçado a dedo pelo técnico Luis Felipe Scolari, Jardel deixou o clube de São Januário em 1995 para disputar a Taça Libertadores da América pelo Grêmio de Porto Alegre. Mal sabia o atacante que no Estádio Olímpico, ao lado do baixinho endiabrado Paulo Nunes, levaria o clube gaúcho ao bi campeonato da América. Em pouco tempo, Jardel se tornou ídolo da torcida tricolor. Em um ano e meio de clube, disputou 73 jogos e marcou 67 gols, um deles no jogo de volta das quartas-de-final contra o Palmeiras no Parque Antártica.

“Felipão deu o chute certo. Mostrou que tem estrela”, relembra o artilheiro, ao recordar o inesquecível ano de 1995, razão pela qual saiu de Fortaleza, cidade onde, depois de 20 anos de futebol, voltou a morar com a esposa e mantém uma pequena confecção de artigos femininos, para participar da festa gremista no oeste baiano. “Foi por um fio, mas Deus estava do nosso lado”, resume o ídolo, ao comentar o histórico embate contra o Palmeiras naquele ano. Após uma goleada surpreendente no Olímpico por 5 a 0, em São Paulo, o gol marcado por ele logo no início garantiu a vaga na fase seguinte, apesar da derrota por 5 a 1. “Psicologicamente, ali nós ganhamos a libertadores”.

A conquista da América 12 anos depois do primeiro título e da conquista do mundo em 1983, serviu de combustível para que torcida, dirigentes e jogadores acreditassem no bi mundial. Numa manhã de dezembro, a metade azul do Rio Grande do Sul parou para ver a partida decisiva contra o Ajax da Holanda. O time holandês, base da seleção do país, era o bicho papão da época. Uma equipe, considerada por muitos, imbatível. Não para Jardel, que revela ter entrado em campo contundido. “Joguei com dores no joelho, com a tendinite bem infiltrada. Fui mesmo, porque era um jogo importante pra mim e pro Grêmio”, explica, lembrando que o time jogou com um a menos boa parte da segunda etapa e toda prorrogação. O zagueiro Rivarola foi expulso aos 22 minutos. O Grêmio acabou derrotado nos pênaltis, depois de 120 minutos sem gols em Tóquio. “Faltou só o gol, não fiz gol”, brinca o ex-atleta, hoje com 38 anos.

Recebendo o carinho dos fãs tricolores, Jardel lembra os momentos difíceis da
carreira e o conturbado envolvimento com as drogas: "É preciso força de vontade, não dá pra se entregar nunca"


Luta diária
A boa fase vivida na capital gaúcha continuou em Portugal. Pelo Porto, entre 1996 e 2000, Jardel alcançou a incrível média de mais de um gol por jogo. Ao todo foram 125 partidas e 130 gols marcados com a camisa do clube português. A fase áurea e a fartura de gols continuou por mais três anos. Entre 2001 e 2004, no Galatasaray da Turquia e de volta a Portugal, mas vestindo a camisa do Sporting, Jardel continuou ídolo e artilheiro. No entanto, foram as férias e as más companhias que aos poucos tiraram o atleta dos trilhos.

“Os excessos, as drogas, o álcool vinham quando estava de férias dos clubes e por conta dos amigos ‘chupa-sangue’”, diz o ex-jogador. O vício se tornou um problema na carreira do craque. Os gols se esvaíram e as propostas também. Entre 2004 e 2008, Jardel passou por 10 clubes, no Brasil e no exterior, sem conseguir ser nem sombra do ‘matador’ de anos antes. Em 2008, sem dinheiro, sem amigos, e desiludido com a vida, Jardel convoca a imprensa nacional para uma declaração bombástica. Ao mesmo tempo em que assume o problema com as drogas e a necessidade de reabilitação, o ídolo não esconde o desejo de voltar a vestir a camisa de Vasco ou Grêmio.

“Fecharam as portas para mim”, conta, três anos depois. “Simplesmente pedi para os presidentes para ficar treinando, mas existiu um medo depois da declaração que eu dei. Lamento muito, mas não guardo mágoa. Não guardo mágoa de ninguém”, diz Jardel. Para superar o momento turbulento, o ex-artilheiro é taxativo. “É uma luta diária”, comenta, ligeiramente incomodado em falar sobre o passado conturbado. “Eu sei que errei. Todos nós temos problemas e só depende da gente superar, mais nada. As pessoas mudam. Tem duas escolhas. Ou se vai para baixo ou muda. É preciso força de vontade, não dá pra se entregar nunca”, desabafa.

Sem qualquer aviso, Jardel antecipa-se, levanta e vai ao banheiro. Na volta pede um café e diz para seguir com a conversa. Questionado sobre que orientação teria para os jovens que sonham se tornar jogadores profissionais, o artilheiro não hesita. “Força de vontade, Fé na mudança e convicção de que vai conseguir”. Para o craque alertas sobre os malefícios do uso excessivo de drogas e álcool não faltam na televisão ou nos jornais. O que importa, segundo ele, é manter-se afastado das más companhias e não se ludibriar com o glamour do futebol. “Estudem, busquem fugir das drogas, busquem ocupar suas mentes”, decreta. Mas, e o Jardel, hoje, como está, quem é, o que pretende: “Sou um homem renovado e feliz”, simplifica.


***


O texto acima foi originalmente escrito para a edição de novembro da Revista A, mas acabou passando por edição e sendo diminuído em mais da metade

22 de out. de 2011

Eu te amo!


Habermas: “O mundo da vida é a esfera de 'reprodução simbólica', da linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objectivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjectivos”


Foi de repente. Uma pequena mão com unhas feitas e esmalte transparente me bateu nos ombros para me entregar um bilhete. “Você tem namorada?”. O questionamento me causou surpresa. Assistia a uma aula sobre a Escola de Frankfurt, recheada de teorias e frases do tio Theodor Adorno. Era noite e ainda tinha de encarar uma desgastante viagem de 90km em um ônibus nada confortável e repleto de baderneiros.

A responsável pelo bilhete tinha o cabelo cacheado carregado com cremes e hidratantes. As madeixas negras estavam sempre úmidas. Usava óculos e tinha os olhos escuros como a noite. Morena de rosto esguio, não era bonita tampouco feia. Era comum. Nada, além disso. O maxilar um pouco alongado acentuava o sorriso, com todos os dentes a mostra, diga-se, brancos a neve.

No mesmo bilhete, rabisquei a resposta: “Não, por quê?”. Em instantes, o mesmo pedaço de papel, um pouco mais amassado que do início do seu vai e vem, retornava as minhas mãos. “Quero falar com você no intervalo”. Olhei as horas. Ainda tinha uns 20 minutos de explanações sobre Adorno, Horkheimer e outros pensadores da comunicação dos séculos XIX e XX.

Pensei:

- Que diabos, essa mulher quer comigo no intervalo?

No banco frio e cimentado do corredor da faculdade, sentamos, eu e ela, a morena de óculos e cabelos úmidos. Ela estava nervosa. Conhecíamo-nos, se muito, há uns dois meses. Após alguns rodeios, ela, enfim, revelou o que a agoniava tanto:

- Eu te amo!

Corei. Como assim me ama. Não é possível. Alguma coisa estava errada. Por pouco não coloquei as costas da mão na testa da guria. Podia ser febre. Amor, não. Jamais.

- Eu tenho pensando muito em você e estou certa que te amo – continuou.

Pedi um tempo. Precisava (mos) respirar. Sabe como é. Não é todo dia que uma pessoa diz para outra “eu te amo”. Isso não acontece com um estalar de dedos. Não fiz nada para que aquela jovem, à época com seus 18 ou 19 anos, de uma hora para outra, revelasse uma paixão por mim. Falei que a entendia mas que – infelizmente (ora, precisava ser educado) – não nutria por ela o mesmo sentimento. Logo, não havia chance alguma daquela história ir adiante.

Encerrada a conversa fui ao encontro do melhor amigo que tinha na classe naqueles saudosos dias. Contei a ele. Tudo. Às gargalhadas, confessou-me:

- Relaxa meu amigo, não és o primeiro.

Como assim. Houve outros antes de mim. Era uma várzea. A cada palavra dita, sentia um peso saindo das costas. Estava preocupado com a garota. Não precisava. Para minha total e absoluta surpresa, eu já era o terceiro pelo qual a morena de rosto esguio se apaixonava desde o início do semestre. Em suma, outros dois antes de mim, passaram pelo ritual: troca de bilhetinhos durante a aula e conversa no banco de cimento do corredor.

Essa história me faz lembrar a política. O quão fácil e rápido se “ama” e se vende e se compra. O quão promíscuo e rasteiro é o ritual de troca de bilhetinhos e conversa no banco do corredor. “Eu te amo”. Frase de bajulação. As pessoas são carentes. Precisam ouvir esse tipo de agrado. Pena. Ama-se de mentira. Temporadas. Momentos. Não é algo verdadeiro. Tem interesse. As urnas. O amor é o teu voto. Eu te amo, vote em mim. Outubro. Um ano. Não é mais sem tempo. Apaixonar-se. Palavra de ordem. Custe o que custar. A paixão é não é para sempre. Tem prazo. Limite. Tempo determinado.

O bilhete, assim que terminou o intervalo, foi devidamente amassado e depositado no lixo. A conversa, em duas semanas, esquecida. A vida seguiu seu rumo. Os amores da morena de rosto esguio a levaram a conhecer seu verdadeiro amor. Enfim. Quem dera fosse assim também com a política. Não é. Respeito. É tudo que se exige de quem legisla e executa. Seguimos com Habermas, “O mundo da vida é a esfera de 'reprodução simbólica', da linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objectivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjectivos”. Amém!
           


11 de out. de 2011

Nada mais que razoável


Foto: Divulgação (extraída do blog Ecojornalismo)
O embaixador e ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricupero, é um homem esguio, de estatura mediana para alta e inegável desenvoltura na arte de falar para grandes audiências. Na quinta-feira, 22, embora para uma plateia muito aquém o esperado, Ricupero manteve a atenção dos heroicos remanescentes do VIII Congresso Brasileiro do Algodão – entre 19 e 22 de setembro – com maestria e sem a necessidade de qualquer aparato tecnológico, como telões ou colas sobre o que teria de falar. Rubens apenas falou.

Como parece praxe entre os economistas, principalmente os que abominam o governo petista desde a ascensão de Lula, o ex-ministro de FHC, iniciou sua longa alocução criticando o governo Dilma. Em tom de rebuscada ironia, RR questionou declaração presidencial de dias antes, na qual a presidente – nego-me a usar o termo presidenta – teria dito com “entusiasmo” que o país passa por um “momento extraordinário”

“Pergunto-me se é possível utilizar o adjetivo com esse sentido”, indagou Ricupero com um ligeiro sorriso de canto de boca e olhar incisivo apontado para os que o assistiam e ouviam. “O momento do Brasil é nada mais que razoável”, decretou, antes de estrebuchar as razões que o fazem acreditar que o risco de um abalo geral na economia brasileira, em decorrência da iminente crise internacional, é maior do que se pensa, ou, na pior das hipóteses, maior do que o governo nos faz acreditar.

“O que acontece no mundo nos últimos dias, mostra que a crise não é habitual, com curta duração. Estamos em um tipo de crise, que alguns costumam chamar de grande depressão, uma variedade mais maligna e perigosa de crise”, disse, lembrando a alvissareira crise de 29 que provocou quebras generalizadas no mundo todo e até hoje é capaz de gerar calafrios em qualquer especialista em economia que e preze. Na comparação entre a de ontem e a de hoje, Ricupero disse que a diferença é que atualmente a China e parte do Ásia dão sustentabilidade para o mercado como um todo, impedindo uma derrocada como a de quase 100 anos atrás.

A título de exemplificação, Rubens rememorou que na década de 1930 houve um começo de recuperação com alguns altos e baixos – em 32 e 38, no qual como vem ocorrendo nos dias de hoje, também houveram, entre as quedas, algumas bruscas, de preços, algumas “ilusórias recuperações”. A chamada “montanha russa” é onde reside o perigo, alertou o magérrimo e cabelos brancos Ricupero. “Os EUA teve de esperar até a segunda guerra para se recuperar”, observou, sempre dando a entender que o momento global é muito mais de precaução do que de reserva e tranquilidade, como alguns ainda insistem em proclamar.

Em relação a década e meia perdida no país entre os idos dos anos de 1980 e 1990, o semblante e até o tom da voz do embaixador mudam. O endividamento, a alta inflação e a ociosidade interna, provocaram revoluções na autoestima do povo brasileiro, àquela altura, recém-saído de um período de mais de 20 anos de ditadura. O equilíbrio e razão para o entusiasmo presidencial de Dilma Rousseff é, segundo o ex-ministro, fruto da criação e fortalecimento do “real” na metade da década de 1990. A ascensão do Brasil deve-se a este momento e nada mais, insiste nas entrelinhas o embaixador, para o qual é preciso dissociar, antes de qualquer avaliação mais profunda, as crises de 2008 e está que vem tirando o sono e Obama e não para de fazer estragos na Grécia e alguns outros países europeus.

Mesmo sem escancarar como fez o também ex-ministro Maílson da Nóbrega em palestra proferida no auditório do Hotel Saint Louis (em Luís Eduardo Magalhães/BA) em julho último, o atual Ministro da Economia, Guido Mantega não dispõe do apreço e solidariedade de parte dos especialistas e “ex-alguma-coisa” da política brasileira. Assim, as correntes de especialistas mais apertam o nó do que repassam informações claras à massa faminta e consumidora compulsiva de novelas de país continental. A razoabilidade do momento vivido pelo país é justa e merecedora de todos os louvores. Vai que a corda estica e velhos fantasmas reapareçam.