Tudo que eu queria e
precisava era uma generosa xícara de café. Daquelas em que o aroma invade as
narinas e impiedosamente te obriga a fechar os olhos para absorver o perfume,
e, depois, já embevecido, rir com um bobo alegre que sacia uma vontade tão íntima
quanto secreta. Era só isso que eu queria e precisava. Estava perto de
conseguir. Já tinha até colocado o suficiente em açúcar e mexido o líquido
negro e fervente com a colher. Não me faltava muito. Era só assoprar umas duas
vezes para não queimar a língua e pronto. Teria tido meu café. Saciado minha
vontade íntima e secreta.
Talvez até
suspirasse:
- Hummmmmmmmmmmm. C
– A – F – É.
Mas não. Quis o
destino, ou como prefiro acreditar, minha patetice de início de uma manhã cinza
e com um ar meio londrino que possivelmente não saiba explicar, que em um
segundo, todo meu café estivesse espalhado por sobre a toalha de mesa e pior:
por sobre a toalha que uso para colocar o notebook, quando ali trabalho.
Imagine a toalha: branca, cheia de flores, violetas talvez, pintadas em
detalhes, agora toda manchada, marrom. Ensopada com o meu café. Aquele que fiz
com tanto carinho e em instantes transformou a mesa, a tolha e até o chão da
cozinha num completo desastre, isso as 7h40 da manhã.
Meu humor e o
suspiro prazeroso de quem se prepara para um longo dia de trabalho se esvaiu
automaticamente, afinal, era o meu café que tinha se perdido. Todinho. Uma
generosa e claudicante xícara de café. Minha e de mais ninguém. Como se não
bastasse ter de tapear a bagunça para sair de casa e enfrentar a jornada do
dia, só conseguia pensar (ainda o faço) no estado da toalha, toda manchada e
que possivelmente nunca mais voltará ao seu estado natural. Quiçá, não lembre,
daqui cinco ou dez anos, quando me deparar com esta bendita toalha (sim, vou
guardá-la com todo amor e carinho), da manhã em que não tomei minha sagrada
xícara de café antes de partir para a labuta.
Enquanto dirigia,
pensava no café e na tolha, na tolha e no café. Em como podemos, em fração de
segundos, transformar o simples em complicado. Num momento eu me preparava para
tomar minha xícara de café e no outro, estava soltando os bofes todos pra fora,
rogando pragas a trigésima geração do meu pior inimigo, simplesmente, porque
num momento de total desatenção consegui desperdiçar todo meu café e feito uma
bagunça cavalar na minha cozinha.
Transformei minha
tristeza irresoluta numa divagação solene na mais viciante das redes sociais e,
não me falhe o senso interpretativo, fui incompreendido. Não estava expondo
minha privacidade como a Carolina Dieckman. Não. Só divagando. Poetizando minha
patacoada. Quem mal há nisso. Ninguém irá limpar minha bagunça ou me dará uma
toalhinha nova, para compensar a trapalhada que cometi e que transformou a
anterior, branca e cheia de flores violeta, numa enorme mancha marrom e
cheirando a café. Existem coisas piores que isso.
A própria Carolina,
coitada. Deixou-se fotografar e depois que suas imagens sem qualquer vestimenta
ganham o mundo, faz pose de boa moça, sentida e, quase que arrependida.
Primeiro, deixou-se fotografar como Eva no paraíso e depois move o mundo para
prender o hacker que lhe roubou a intimidade. A única pergunta que faço é: e as
anônimas que fazem o mesmo e têm suas fotos espalhadas pela grande rede, o que
acontece? Será que as montanhas todas são movidas até que os invasores de
privacidade são presos?
Não. Digo isto,
porque a justiça não é justa. Não é igualitária e parece só acontecer quando há
interesses maiores envolvidos. É aquela história do falso moralismo que esbocei
quando escrevi sobre as cotas raciais. São sazonais. Vivemos uma falsa sensação
de liberdade de crença, de esperança em um mundo mais justo. Onde não tenhamos
de conviver com um leilão do quem dá mais para ficar com o partido político X
nas próximas eleições. Por fim, um mundo em que eu possa escrever sobre minhas
trapalhadas ao tomar café sem que ninguém me aconselhe a ser normal, afinal,
poxa vida, era uma generosa xícara de café que foi, toda ela perdida. Para
sempre.
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