26 de mai. de 2012

A morte do meu celular



Não sou da geração dos celulares tijolões. Sou da seguinte, em que o hábito e necessidade de ter um pequeno aparelho telefone ainda não se faziam tão obrigatórias como são hoje. Era uma moda, em vias de se tornar uma tendência, um vício, um utensílio básico para qualquer um, até entre as crianças.

Naqueles dias, dizia-se, ainda com um certo ar blasé:

- Que chique, fulano tem celular.

Os aparelhos eram caros e não dispunham de muitos atrativos como os de hoje. O interesse neles jazia no simples fato de você estar transportando um telefone móvel para todo canto e não na interatividade com as redes sociais, na máquina fotográfica com qualidade similar as melhores digitais do mercado, mapas para navegação móvel, editores de texto tão bons quanto os de um notebook, capacidade para armazenar vídeos de alta resolução, jogos, e etecetera.

Os celulares exerciam a mais simples das funções. Fazer e receber ligações. A inclusão de mensagens de texto ao pacote ecoou como um divisor de águas nas relações humanas. Era o máximo conversar sem abrir a boca usando um mínimo aparelhinho de bolso. Rápido, instantâneo e prático.

De tão pequenos que eram, os celulares vinham com uma espécie de tampa. Para atender as ligações era preciso levantar a dita cuja. Tive um celular desses. Morreu numa manhã de março. Dois anos atrás. Assim que acordei e estava no banheiro com cara de zumbi, entre o sagrado primeiro xixi do dia, o lavar as mãos e o escovar os dentes. Nesse meio tempo, vibrou o telefone. Odeio ringtones com músicas. Evito-as. Zonzo e com o xixi pela metade, resolvo que atender o chamado era uma opção válida, embora perigosa.

Eis meu erro.

O telefone saltitou da minha mão tão logo iniciei a tentativa de levantar a maldita tampinha. Escorregou entre os dedos, como um sabonete molhado e mergulhou no vaso ainda vibrando. Inconsciente dos meus próprios atos e ainda com a braguilha aberta, estiquei a mão para dentro da latrina, resgatei o telefone, abri a tampa e como que se tomado por uma estranha sensação de loucura, disse:

- Alô!

Precisei de segundos para retomar a consciência. Ri alto. Com a mão encharcada de xixi e o telefone ensopado e pingando e imprestável. Era uma sexta-feira e feriado, só poderia trocar o aparelho na segunda-feira. Por mais boa vontade que tivesse o contato da urina com os circuitos internos do pobre telefone o destruíram. Uma das mortes mais horrendas que um telefone celular pode ter, com toda certeza. Troquei o dito por um, à época, com acesso à internet. Um espetáculo.

Meu pai quando o viu pela primeira vez disse:

- Mas é um notebook em miniatura.

Não era. Nunca foi. Meu celular novo era a prova que a tecnologia não avança, atropela. Não tardou para ele ficar obsoleto. Um cara quadrado com um teclado similar a de um computador. Só. Essa semana ele simplesmente parou de fazer ligações. Deduzo que tenha morrido também, ou esteja em vias de. Dia desses o coitado caiu de uma altura de metro e meio, quicou como uma bola de tênis quadrada quicaria. Nunca mais foi o mesmo. Chegou a hora de trocá-lo.

O detalhe é: por qual aparelho. Minha prima comprou um i-Phone. Coisa fina. Os novos celulares estão percorrendo caminho inverso ao que já foram. Estão cada vez maiores. Mal cabem no bolso. Não quero um telefone que mal consiga carregar no bolso. A adesão a um celular de ultima geração é um convite para se mergulhar cada vez mais no mundo virtual. Estar conectado às 24 horas do dia. Cegamente. Sem vida social. De posse do celular mais moderno, que amanhã não vá mais servir pra nada. Tecnologia morta. Meu primeiro celular morreu. Meu segundo está prestes a morrer. Um minuto de silêncio. 

Paz.

Eu sou anormal, vi as fotos da Carolina e fiquei sem café


 

Tudo que eu queria e precisava era uma generosa xícara de café. Daquelas em que o aroma invade as narinas e impiedosamente te obriga a fechar os olhos para absorver o perfume, e, depois, já embevecido, rir com um bobo alegre que sacia uma vontade tão íntima quanto secreta. Era só isso que eu queria e precisava. Estava perto de conseguir. Já tinha até colocado o suficiente em açúcar e mexido o líquido negro e fervente com a colher. Não me faltava muito. Era só assoprar umas duas vezes para não queimar a língua e pronto. Teria tido meu café. Saciado minha vontade íntima e secreta.

Talvez até suspirasse:

- Hummmmmmmmmmmm. C – A – F – É.

Mas não. Quis o destino, ou como prefiro acreditar, minha patetice de início de uma manhã cinza e com um ar meio londrino que possivelmente não saiba explicar, que em um segundo, todo meu café estivesse espalhado por sobre a toalha de mesa e pior: por sobre a toalha que uso para colocar o notebook, quando ali trabalho. Imagine a toalha: branca, cheia de flores, violetas talvez, pintadas em detalhes, agora toda manchada, marrom. Ensopada com o meu café. Aquele que fiz com tanto carinho e em instantes transformou a mesa, a tolha e até o chão da cozinha num completo desastre, isso as 7h40 da manhã.

Meu humor e o suspiro prazeroso de quem se prepara para um longo dia de trabalho se esvaiu automaticamente, afinal, era o meu café que tinha se perdido. Todinho. Uma generosa e claudicante xícara de café. Minha e de mais ninguém. Como se não bastasse ter de tapear a bagunça para sair de casa e enfrentar a jornada do dia, só conseguia pensar (ainda o faço) no estado da toalha, toda manchada e que possivelmente nunca mais voltará ao seu estado natural. Quiçá, não lembre, daqui cinco ou dez anos, quando me deparar com esta bendita toalha (sim, vou guardá-la com todo amor e carinho), da manhã em que não tomei minha sagrada xícara de café antes de partir para a labuta.

Enquanto dirigia, pensava no café e na tolha, na tolha e no café. Em como podemos, em fração de segundos, transformar o simples em complicado. Num momento eu me preparava para tomar minha xícara de café e no outro, estava soltando os bofes todos pra fora, rogando pragas a trigésima geração do meu pior inimigo, simplesmente, porque num momento de total desatenção consegui desperdiçar todo meu café e feito uma bagunça cavalar na minha cozinha.

Transformei minha tristeza irresoluta numa divagação solene na mais viciante das redes sociais e, não me falhe o senso interpretativo, fui incompreendido. Não estava expondo minha privacidade como a Carolina Dieckman. Não. Só divagando. Poetizando minha patacoada. Quem mal há nisso. Ninguém irá limpar minha bagunça ou me dará uma toalhinha nova, para compensar a trapalhada que cometi e que transformou a anterior, branca e cheia de flores violeta, numa enorme mancha marrom e cheirando a café. Existem coisas piores que isso.

A própria Carolina, coitada. Deixou-se fotografar e depois que suas imagens sem qualquer vestimenta ganham o mundo, faz pose de boa moça, sentida e, quase que arrependida. Primeiro, deixou-se fotografar como Eva no paraíso e depois move o mundo para prender o hacker que lhe roubou a intimidade. A única pergunta que faço é: e as anônimas que fazem o mesmo e têm suas fotos espalhadas pela grande rede, o que acontece? Será que as montanhas todas são movidas até que os invasores de privacidade são presos?

Não. Digo isto, porque a justiça não é justa. Não é igualitária e parece só acontecer quando há interesses maiores envolvidos. É aquela história do falso moralismo que esbocei quando escrevi sobre as cotas raciais. São sazonais. Vivemos uma falsa sensação de liberdade de crença, de esperança em um mundo mais justo. Onde não tenhamos de conviver com um leilão do quem dá mais para ficar com o partido político X nas próximas eleições. Por fim, um mundo em que eu possa escrever sobre minhas trapalhadas ao tomar café sem que ninguém me aconselhe a ser normal, afinal, poxa vida, era uma generosa xícara de café que foi, toda ela perdida. Para sempre.