Não sou da geração dos celulares
tijolões. Sou da seguinte, em que o hábito e necessidade de ter um pequeno
aparelho telefone ainda não se faziam tão obrigatórias como são hoje. Era uma
moda, em vias de se tornar uma tendência, um vício, um utensílio básico para
qualquer um, até entre as crianças.
Naqueles dias, dizia-se, ainda
com um certo ar blasé:
- Que chique, fulano tem celular.
Os aparelhos eram caros e não
dispunham de muitos atrativos como os de hoje. O interesse neles jazia no
simples fato de você estar transportando um telefone móvel para todo canto e
não na interatividade com as redes sociais, na máquina fotográfica com
qualidade similar as melhores digitais do mercado, mapas para navegação móvel, editores
de texto tão bons quanto os de um notebook, capacidade para armazenar vídeos de
alta resolução, jogos, e etecetera.
Os celulares exerciam a mais
simples das funções. Fazer e receber ligações. A inclusão de mensagens de texto
ao pacote ecoou como um divisor de águas nas relações humanas. Era o máximo
conversar sem abrir a boca usando um mínimo aparelhinho de bolso. Rápido,
instantâneo e prático.
De tão pequenos que eram, os
celulares vinham com uma espécie de tampa. Para atender as ligações era preciso
levantar a dita cuja. Tive um celular desses. Morreu numa manhã de março. Dois
anos atrás. Assim que acordei e estava no banheiro com cara de zumbi, entre o
sagrado primeiro xixi do dia, o lavar as mãos e o escovar os dentes. Nesse meio
tempo, vibrou o telefone. Odeio ringtones com músicas. Evito-as. Zonzo e com o
xixi pela metade, resolvo que atender o chamado era uma opção válida, embora
perigosa.
Eis meu erro.
O telefone saltitou da minha mão
tão logo iniciei a tentativa de levantar a maldita tampinha. Escorregou entre
os dedos, como um sabonete molhado e mergulhou no vaso ainda vibrando.
Inconsciente dos meus próprios atos e ainda com a braguilha aberta, estiquei a
mão para dentro da latrina, resgatei o telefone, abri a tampa e como que se
tomado por uma estranha sensação de loucura, disse:
- Alô!
Precisei de segundos para retomar
a consciência. Ri alto. Com a mão encharcada de xixi e o telefone ensopado e
pingando e imprestável. Era uma sexta-feira e feriado, só poderia trocar o
aparelho na segunda-feira. Por mais boa vontade que tivesse o contato da urina
com os circuitos internos do pobre telefone o destruíram. Uma das mortes mais
horrendas que um telefone celular pode ter, com toda certeza. Troquei o dito
por um, à época, com acesso à internet. Um espetáculo.
Meu pai quando o viu pela
primeira vez disse:
- Mas é um notebook em miniatura.
Não era. Nunca foi. Meu celular
novo era a prova que a tecnologia não avança, atropela. Não tardou para ele
ficar obsoleto. Um cara quadrado com um teclado similar a de um computador. Só.
Essa semana ele simplesmente parou de fazer ligações. Deduzo que tenha morrido
também, ou esteja em vias de. Dia desses o coitado caiu de uma altura de metro
e meio, quicou como uma bola de tênis quadrada quicaria. Nunca mais foi o
mesmo. Chegou a hora de trocá-lo.
O detalhe é: por qual aparelho.
Minha prima comprou um i-Phone. Coisa fina. Os novos celulares estão
percorrendo caminho inverso ao que já foram. Estão cada vez maiores. Mal cabem
no bolso. Não quero um telefone que mal consiga carregar no bolso. A adesão a
um celular de ultima geração é um convite para se mergulhar cada vez mais no
mundo virtual. Estar conectado às 24 horas do dia. Cegamente. Sem vida social.
De posse do celular mais moderno, que amanhã não vá mais servir pra nada.
Tecnologia morta. Meu primeiro celular morreu. Meu segundo está prestes a
morrer. Um minuto de silêncio.
Paz.