O xerife da zaga canarinho após marcar um gol pela seleção |
Por alguma inexplicável razão, sempre achei o Lúcio, zagueiro da Inter de Milão e da Seleção Brasileira parecido com um tio (ou será ex-tio) meu, ex-marido de minha tia, irmã de minha saudosa mãe. No sábado pela manhã, 11 de junho, recém-chegado ao Aeroporto Internacional de Brasília, procurava um assento para a espera pelo voo até Porto Alegre, remarcado do dia anterior, então cancelado devido às cinzas do furacão chileno que pairava no Rio Grande do Sul. O tempo cinza mantinha uma camada densa de névoa nos céus da capital federal. Não havia como voar. Cheia, a sala de espera, comportava desde remanescentes de outros voos cancelados de dias antes, até passageiros com passagens marcadas para a véspera do dia dos namorados. Muitos destes, casais em busca de um final de semana romântico.
Havia dado quase uma volta completa no saguão, quando, enfim, encontrei onde sentar. Coloquei a mochila sobre as pernas, a fim de guardar as duas revistas que me fariam companhia durante o voo. Ao meu lado um solitário rapaz também aguardava o chamado para embarque e a sua direita, com uma criança no colo, o zagueiro da seleção. A primeira vista, Lúcio me pareceu bem ‘menor’ do que transparece pela televisão. Menos implacável, digamos. Até, custei a reconhecê-lo. A filha – ainda que o fluxo de pessoas indo e vindo gerasse um barulho impróprio para o descanso – dormia como se nada pudesse ser suficientemente capaz de importuná-la. A direita do capitão, o filho, um garoto de cerca de 10 anos, manuseava o celular com rapidez, distraindo-se com um jogo eletrônico qualquer. Lúcio permanecia quieto, como se preferisse não ser incomodado. Por ninguém.
“Olha ali, não é o Lúcio, o zagueiro?”, cochichou uma mulher, sentada no banco em frente, para o marido distraído, em pé, e angustiado com a demora do embarque. A quase notícia animou o homem. Com um sorriso, ele confirmou para a mulher se tratar do famoso jogador e inquieto, aproximou-se, estendeu a mão e por pouco não acordou a pequena no colo do pai campeão. “E aí Lúcio, vai pra Porto Alegre também?", perguntou, dizendo que estava preso em Brasília desde quinta-feira a espera de liberação para retornar para casa. “Não, vou pra Salvador”, respondeu o capitão, reforçando não estar muito disposto a enfrentar, por agora, o frio da capital gaúcha.
Chamado para o embarque o solitário rapaz a minha direita e esquerda do futebolista famoso, antes de se retirar, aproveitou para cumprimentar o jogador e desejar boa sorte. Com a poltrona vaga, o outrora distraído gaúcho sentou e voltou a carga. “Volta quando pro Beira-Rio, tá difícil continuar com o Bolivar”, disse, como se esperando uma declaração bombástica ou então, que o jogador jurasse amor pelo Sport Club Internacional, clube que praticamente o revelou para o mundo. Nada disso. A simpatia do capitão ainda que longe de ser forçada, parece fruto dos anos de contato com fãs, imprensa e o mainstream do futebol. A conversa entre os dois terminou assim que a mulher do jogador e a filha mais velha retornaram.
“Nosso voo foi cancelado”, contou a mulher ao zagueiro. Com um pouco de sorte, segundo ela, seria possível um encaixe para um voo até Porto Seguro, às 11h. Aquela altura passava pouco das 8h30. O portoalegrense curioso ficou sem saber se Lúcio, um dia, voltaria a compor a zaga do Inter e o jogador, em segundos, desfez o sorriso do rosto.
A notícia deixou o camisa 3 ainda menos disposto a conversas superficiais, como a que manteve com o fã colorado. A cara de poucos amigos, a filha no colo, e o transtorno do atraso na viagem, na certa, inibiam outros passageiros a se aproximarem e ‘tietar’ o beque, com nítidos sinais de querer tão somente confirmar o embarque para o litoral e a retomada do descanso antes de se reintegrar ao grupo da seleção que em julho disputa a Copa América na Argentina. Até a esposa tentou. “Vai buscar um suco e um pão de queijo pro seu pai, vai”, disse para o garoto que jogava no celular. “Não quero nada não”, respondeu o jogador, antecipando-se ao filho.
Com um beijo no rosto da pequena que descansava em seu colo, Lúcio fixou o olhar em algum ponto qualquer do saguão, e segundos depois, voltou-se para a mulher e pedindo que providenciasse a mudança no voo. Agora com a filha mais velha sentada a sua esquerda, o zagueiro pediu aos filhos que encontrassem no GPS do celular, algum lugar que pudessem ir enquanto aguardavam o embarque. Enquanto conversava com os filhos, o capitão voltou a sorrir. A espera de Lúcio me fez ter mais certeza sobre minha descrença na realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014. Pena que não perguntei a opinião do capitão, que sim, lembra vagamente meu tio ou ex-tio, ex de minha tia, irmã de minha mãe.
PS: Este post é especial, pois, trata-se da ducentésima publicação do blog
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