Estava cansado. Passara horas em claro, divagando comigo mesmo dentro de um ônibus. Limitado ao meu próprio silêncio. Os demais passageiros daquela viagem precisavam descansar. Tinha uma missão àquela sexta-feira em Brasília. Outros dependiam do meu sucesso. Um fracasso seria imperdoável. Sem dormir, atravessei a manhã munido de uma generosa xícara de café com leite. Antecipei meu almoço em vista do tempo escasso, e assim mesmo, entorpecido de um estafe mental e corporal, parti para meus compromissos.
Um mundo se passava a minha volta. Acompanhava com comedido interesse a correria das pessoas a e o tráfego intenso dos veículos. Como a vida é interessante, pensei, em certa altura de minha jornada vespertina. Esbocei um sorriso antes de sentar e aguardar minha vez para encaminhamento do passaporte. Enfim, sossego, paz, e alguns minutos de tranqüilidade. Preferi me concentrar no outro compromisso: a entrevista. Remoer-me pelas incertezas da minha vida particular era um ultraje. Aguardei minha vez, e de lá, sai incrédulo com tamanha facilidade.
Na caderneta mental de compromissos para aquele 18 de abril, acabara de riscar um deles. Passaporte, ok. Passei os olhos no relógio e percebi que tinha tempo a favor. Optei por uma caminhada. A sensação de quentura era imensa. Comprei água. E continuei a caminhar, pensando na pauta, na entrevista e nos seus resultados. Encontrei meu destino antes do esperado, tive tempo para me refrescar á sombra de uma velha e imensa árvore. Do momento que resolvi bater a porta da minha entrevistada até a despedida, foram duas horas e meia. Tempo suficiente para inúmeras lições.
A mulher que me recebeu na sua sala de estar tinha 90 anos. Um largo sorriso foi seu cartão de visitas. A voz grave e implacável contrastava com a baixa estatura. Fragilidade? Nem pensar.
Aracy foi voluntária da Força Expedicionária Brasileira durante a
2ª Guerra Mundial. Passou oito meses na Itália, enfrentou o mundo por uma causa. Um ideal, fomentado no berço da família e enquanto cursou Ciências Econômicas na década de 1930. A mulher de cabeços grisalhos a minha frente, descendia do patrono da infantaria brasileira durante a Guerra do Paraguai, Antônio de Sampaio.
Um exemplo. Enquanto ouvia seu relato percebi que havia brilho naqueles olhos. Orgulhoso por ter feito parte de uma história fascinante da humanidade, ter contribuído para o bem estar de muitos. A vontade de enfrentar o mundo sem se abster de ter lutado pelo que acreditava e principalmente pelo país que amava. Senti-me brasileiro. E enquanto sentia os pelos de meu braço ouriçarem-se tive um sobressalto de consciência. Um lapso de vergonha de um país mal governado e miserável politicamente. Que não tem educação e não preserva sua história, sua cultura, sua essência.
Acompanhei aquela senhora numa viagem no tempo. Entre fotografias e prêmios. Lembranças. Não mais que isso. Pensei se possuía lembranças dignas de contar para meus netos. Pensei no que sou e no que tenho feito. “Eu faria tudo de novo”, disse ela, enquanto me servia um copo de suco de caju e um pedaço de torta de nozes. E eu, será que faria tudo de novo? Voltei a correria do mundo moderno. Das grandes cidades. Não se tem mais tempo pra nada, e no fundo, nada se faz. Será que existe felicidade hoje em dia? Ah, como eu queria outro copo de suco de caju.