16 de dez. de 2012

Ah, os meus dentes separados na frente

Frejat já cantou sobre eles. “O que mais me encanta em você, é a tua capacidade de me enlouquecer, é a tua sensualidade ardente, teus dentes separados na frente”. Eu tenho dentes separados na frente. A música, claro, não foi escrita para mim. Frejat não era Cazuza, ó pá e por mais bem intencionado que pudesse soar, não ficaria bem o pai do “barão vermelho” cantarolar uns versos em minha homenagem, ainda mais assim tão íntimos. De jeito nenhum, grito e repito em voz alta. Se fosse a Madeleine Stowe sussurrando esses mesmos versos no meu ouvido, ai sim, ai sim. O que importa é que até a manhã da última quinta-feira, achava os meus dentes separados na frente totalmente sem graça. Até demais.



Quando eu era moleque não gostava deles. Porque eu haveria de ter dentes separados se todos meus amiguinhos não tinham? Ensaiei ir ao dentista para corrigir o hiato entre um dente e outro, mas para minha completa felicidade, não fiz, nem minha mãe me obrigou e nem meu pai deixou um cheque para 30 dias no consultório da minha dentista. Sim, eu tinha uma dentista. Era mulher, era loira, mas não lembro o nome dela. Infelizmente. Acostumei-me com a separação, tanto que não consigo me imaginar sem o buraquinho no meio dos dentes.

Eu e meus dentes separados na frente
- Dentes separados é um charme e está na moda – me disse uma amiga na manhã em que meus dentes separados deixaram de ser sem graça. Aliás, ela foi a culpada por isso. Nunca antes uma pessoa tinha me falado algo parecido sobre meus dentes separados. Nem minha mãe.

Levantei a sobrancelha, senti a bochecha corar, ri e por fim, deixei que eles me escapassem da boca: meus dentes separados na frente. Meus e de mais ninguém. Com todo charme que só eles possuem, ainda mais agora que estão na moda. A propósito, não sei como podem estar na moda. Não espero e não consigo imaginar uma pessoa indo até um consultório dentário pedir para separar os dentes. Não tem cabimento. O charme é de quem os tem de nascença, como eu, a Madonna, a Laura Pausini, a Brigite Bardot. Uma vez mais, obrigado mãe, obrigado pai.

No linguajar dos consultórios dentários, meus dentes separados na frente são conhecidos como diastemas, que nada mais são que um espaço extra entre dois ou mais dentes. É mais freqüente eles serem observados nos dois dentes frontais da arcada superior. Vejam só o que descobri. “Muitas crianças têm diastema como resultado da queda dos dentes de leite, mas, na maior parte dos casos, os espaços se fecham quando os dentes permanentes nascem”. Não foi meu caso.

Continua: “O diastema pode ser causado pela diferença de tamanho dos dentes, pela falta de dente ou anormalidade do freio labial, que é o tecido que se estende do lábio à gengiva até o ponto em que se localizam os dois dentes frontais superiores. As causas secundárias do diastema envolvem problemas de alinhamento bucal, como o grau de overjet ou protrusão dentária”. Hummmm. Bom, o que importa é que continuo sendo “portador” de diastema e desde a última quinta-feira, acho isso o máximo. Ponto.

Madaleine Stowe, claro, não poderia faltar, em ação no inesquecível "O Último dos Moicanos"

Também descobri, lendo sobre o tema que entre as opções de tratamento está – pasmem – “manter o diastema”. Perfeito. Para que, ora, pois, haveria eu de ceifar o meu charme? Juntar meus dentes frontais, separados há mais de 32 anos. Não há motivo nenhum para isso. Prefiro continuar a rir feito um bobo toda vez que o CD player do carro tocar a música do Frejat. É divertido. “...teus dentes separados na frente”. Sim, os meus. Minha amiga me ajudou a gostar um pouco mais dos meus dentes separados na frente. Obrigado. Agora, posso dizer para quem quiser ouvir: tenho dentes separados na frente, uso alpargatas, gosto de iogurte de morango e mulheres de óculos. Só me falta um caderno de caligrafia, só. Meus dentes separados na frente são um charme, um charme.

8 de dez. de 2012

Quando é preciso desacelerar um pouco




A vida é cheia de truques e adora nos pregar algumas peças. Quando menos esperamos, diga-se. Às vezes, até quando não estamos preparados. Os truques e as peças simplesmente acontecem. Como num piscar de olhos. De um segundo para outro, a mudança pode ser definitiva. O amanhã pode não mais existir. 

Saí do carro ainda trêmulo, afinal, foi tudo muito rápido. Estava com o pensamento longe, com pressa, não passava pela minha cabeça que aquela curva tão inocente poderia ser o que foi. Não me machuquei. Meu carro não virou uma lata velha. Nada disso. Errei no acelerador, o carro derrapou na área, ziguezagueei de um lado a outro e invadi o meio fio como um touro bravo que avança na direção do pobre toureiro. Sem ninguém por perto e nenhum veículo à frente ou às costas. Apenas eu e meu carro.

Desliguei a chave, abri a porta, olhei para os céus e pensei:

- Meu Deus, podia ter capotado.

Sim, podia ter capotado. Dado piruetas pelos ares e neste momento estar internado em algum hospital, sabe-se lá em que estado de saúde. Quiçá tivesse tamanha sorte. Enquanto aguardava o guincho, tentava reconstruir os momentos que antecederam meu quase acidente. Isso mesmo, não considero o que aconteceu como um acidente. Foi um erro, um deslize, uma bobagem, um apagão. Sei lá. Prefiro acreditar que tenha sido um aviso. Como se alguém, do alto de sua sabedoria, tivesse colocado suas mãos nos meus ombros e dito:

- Tenha mais calma meu filho!

Nunca nos damos conta de que precisamos dar uma pisada no freio. Maneirar um pouco. Estamos sempre correndo, vivendo no limite. Okay, escrevi sobre isso, ou quase isso na coluna passada, mas é o que é. Por alguma razão sempre nos damos conta dos erros ou excessos quando estamos diante do acontecido, imóveis, estáticos, perdidos. Quando, infelizmente, já é tarde demais para mudar os rumos da nossa própria história. Talvez se eu tivesse um pouco menos “chutado” e com pressa, nada do que me aconteceu teria acontecido, e, fatalmente, continuaria a correr e correr e a andar no limite. É por isso e somente por isso que penso no ocorrido como um aviso.

A saber, não restrinjo este aviso aos cuidados que devemos ter no trânsito. Estes são óbvios. É questão de inteligência, de bom senso. O que mais me deixou intrigado e fez com que escrevesse esse artigo são as coisas que guardamos sempre a espera do amanhã, da semana seguinte, do próximo mês, ano ou década. Como rabisquei no primeiro parágrafo, o amanhã pode não mais existir, antes mesmo que você tenha se dado conta disso. Resumindo: você pode não ter uma segunda ou terceira chance de fazer diferente, por exemplo. Pode ser a areia na pista, o excesso de velocidade. Não sei.

Raul Seixas
Engraçado que pouco antes do meu quase acidente estava ouvindo Raul Seixas no carro. A faixa de abertura do seminal ‘Há dez mil anos atrás’, de 1976, “Canto para minha morte”, uma mistura de poesia com tango e de uma genialidade ímpar. Eis um trecho da malfadada e imprópria canção: “Qual será a forma da minha morte? Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida. Existem tantas... Um acidente de carro. O coração que se recusa a bater no próximo minuto, A anestesia mal aplicada, A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe, um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio”.

Simples. Direto. Genial. Intrigante.

Enquanto comunicava amigos e familiares do acontecido, soube que um velho amigo dos tempos da faculdade capotou o carro no retorno de Palmas para Barreiras. Embora não tenha sofrido maiores escoriações, seus pais faleceram. Imagine o trauma, a dor, a perda, o sentimento de culpa. Um filme passou pela minha cabeça tão logo desci do meu carro e percebi que por muito pouco poderia ter sido muito pior. Agora imagine pra ele. O vazio, a desesperança, a impotência de voltar alguns segundos antes do acidente e fazer tudo diferente.

Pra encerrar, são raras as vezes que temos uma segunda chance na vida, então: se está muito rápido, desacelere; se tem vontade de ligar para alguém que está com saudades, ligue; se está pensando em mudar de vida, mas tem medo que possa não dar certo, respire fundo, messe as consequências, os prós e os contras e faça, arrisque, quem não arrisca nunca saberá se teria ou não dado certo. A vida é cheia de truques e adora nos pregar peças, quando menos se espera.

Menos se espera.